A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Pai maluco mas amoroso

(Mafabami)

A natureza, inúmeras vezes, junta homens e mulheres com elevado grau de conhecimento, transforma-os em casais que procriam e, em excelentes condições materiais, conseguem educar e encaminhar sua prole. Outras vezes a mesma natureza junta pessoas que reproduzem, mesmo sem atestado qualquer que comprove seu perfeito equilíbrio mental.

A questão da paternidade responsável é das mais importantes em qualquer lugar ou época, e essa importância aumenta num país, cujo povo se depara com dificuldades básicas de emprego, saneamento e, principalmente, com a questão da educação.

Tem pai maluco de todo tipo! Há os irresponsáveis e atrasados, que junto com suas companheiras não são capazes de controlar a natalidade e vão gerando os filhos, que eles não conseguem educar nem alimentar. Mas tem pai "certo" e bem de vida que, ainda assim, é pior pai e, por vezes, até idiota, se comparado ao que é tido por maluco.

Sem dúvida, as cidades de pequeno porte são os lugares onde a caridade ainda conserva as características da afetividade. Nos grandes centros as pessoas conseguem, através de entidades, minorar a pobreza dos necessitados, mas em geral não chegam a ver quem recebeu sua caridade.

Moro numa cidade pequena e por incrível que pareça, já temos crimes, roubos e favela por aqui. E o que é mais triste, já há muitos jovens dependentes de drogas. Muitos! A droga é o grande medo dos pais responsáveis. O caminho de volta, todos sabemos, é um processo doloroso e às vezes sem opção.

Não sei se passou pela mente daquele pai maluco que conheci, alguma preocupação com droga. Na verdade, o conhecia de vista. Pois aquele maluco era marido de uma Maria e ambos criaram seus filhos. Foi num desses nascimentos, ocorrido na maternidade da nossa terra que, conforme contou-nos uma amiga, ocorreu uma cena que serve bem para certos moços que se consideram muito inteligentes, competentes e os tais.

Já era perto do meio-dia, quando ele passou com seu carrinho de mão, morro acima, em direção ao hospital. Houve gente que o viu "estacionar" o carrinho na portaria da casa de saúde e, todo faceiro, segurar seu filhinho, enquanto a mulher se ajeitava no diminuto veículo.

Sempre que eu via este homem, ele usava sapato e paletó, mas a cidade toda sabia da sua humilde condição material e comentava sobre as deficiências daquele casal. Acredito que boas almas ajudavam os dois.
Semana passada, fiz questão de falar com a professora Dulce Beatriz, que além de presenciar a cena, a princípio tão dramática, me confirmou a história:

- Fátima, eu estava na esquina do Jardim e vi quando ele descia a ladeira do hospital, conduzindo o carrinho com sua mulher e seu filho dentro...

Fiquei pasma, embora já tivesse ouvido essa história há alguns anos, e insisti:

- Dulce, você confirma, então, que isto aconteceu?

E Dulce acrescentou que aquele simplório homem vinha visivelmente satisfeito, dizendo aos que encontrava:
- Olhe só! Este é meu filho! É meu filho! É meu filho!

E ela? Pergunto-me hoje. Como estaria se sentindo, aquela mãe? Garanto que no seu modo de interpretar a vida, sentia-se protegida, viajando pelo centro histórico de Laguna em primitiva charrete! Com Maria estava o melhor do mundo: seu bebê e seu marido, que os levava para casa.

Estranha sociedade a nossa, em que a decência e o amor por um filho às vezes moram no coração dessa gente considerada lixo, por engravatados canalhas, que roubam de forma descarada o que pertence ao povo.

  • Publicado em: 12/08/2007
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