Alguns dias após o nascimento de minha filha, uma outra professora teve
também seu bebê. A lactação daquela mãe atrasou
e sua prima, veio algumas vezes até minha casa, buscar um pouco de leite
para o menino. Já no segundo ou terceiro dia Tânia passou a amamentar
seu filho normalmente. Tanto eu quanto ela, primíparas, sem prévio
acordo, criamos um elo de colaboração e afeto. Sempre que nos
vemos penso na oportunidade que ela e seu filho me ofereceram para viver o inesquecível
papel de ama-de-leite. Coisa assim tem mais chance de acontecer nas pequenas
cidades como Laguna onde as pessoas tem oportunidades para se conhecerem melhor.
Ambas tivemos a alegria de envolver nossos bebês com as roupinhas mais
lindas e cheirosas assim como fizeram conosco nossas mães. Assim como
fariam todas as mães do mundo se pudessem. Feliz de quem recebeu cuidados
na sua infância e pode oferecê-los as suas crianças. O bom
da vida é envolver-se a tecê-la com zelo. Esmeradamente, respeitosamente.
Depois que nossos filhos crescem passamos a vê-los nas outras crianças.
Esse exercício de resgate dos nossos pequenos (hoje moças e moços),
levou-me a fazer algumas amizades - mirins. Tenho, por exemplo, a alegria de
poder abraçar Maria Odécia quando nos vemos por aí, conversar
com Aline ou Léo no meu prédio. Estejam eles com o humor que estiverem,
sempre os considero dádiva de Deus. Às vezes fico observando a
"turminha da Júlia" jogando taco ou vôlei na esquina.
Ali se delineiam lideranças, se esclarecem situações de
conflito, se disputam bolas divididas, se ensaiam relacionamentos para a vida,
enfim, se aprendem as regras do jogo. Vejo-as brincar e não tenho dúvida
que fazem o que há de mais saudável para si. Tem também
dois gurizinhos, Luiz Henrique e Pedro ambos com um ano e pouco que saem em
disparada fugindo de suas avós, são pirralhos fascinados com a
própria locomoção recém aprendida. Só depois
que crescem nossos pequenos é que temos tempo para observar da leveza,
doçura, transparência, poesia, graça e energia que as crianças
colocam em nossas vidas.
Outro dia, no norte do Estado, resolvemos passar de surpresa na casa de uma
amiga para visitá-la. Lá encontramos sua sobrinha neta de três
anos e pouco. A espontaneidade, o sorriso e a comunicação da espoletinha
garantiram o clima de descontração, gratuidade e fantasia que
as crianças geram. Já em Laguna, entre mini-telas de artistas
da terra e graciosos artesanatos, numa casa ali da praça, encontrei a
soldado Anita Garibaldi. Uma boneca de pano com uma espingardinha de madeira
e lenço vermelho ao peito me fez lembrar Alice, a menina que eu conhecera
no passeio. Tratei de redigir o "MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO SOLDADO
ANITA" para enviá-lo junto com a boneca ao norte do Estado. Expliquei,
no manual, que a única restrição para Anita, seria a piscina.
Garupa de bicicletinha, parquinho, grama, mochila e até desacertos entre
amigas (na presença de Anita) eram circunstâncias as quais a boneca
sobreviveria. A prova de fogo de Anita ou outra boneca de pano, na verdade,
é a saúde dessas encantadoras guriazinhas como Alice que inventam
seu país de maravilhas a cada novo dia.
A criança bem cuidada nos dá o retorno de aprendermos com ela,
é sempre um lembrete para não desistirmos da ternura. Uma sociedade
atesta a sua competência também pelos projetos que dão prioridade
aos pequenos.
Crianças desassistidas tornar-se-ão adultos que custarão
para todos nós, um preço além das nossas posses.