Decidi fazer uma visita ao apartamento da vizinha, defronte ao meu. Nessas ocasiões 
após avisar aos de casa para onde estou indo, passo pela área de 
serviço a fim de conferir se há máquinas, lâmpadas, 
ferro elétrico, etc que precisem ser desligados.
As vozes vinham da rua lateral justo do lado pra onde eu me deslocava e a princípio, 
foram interpretadas como festa, por ser costume ficarem as crianças, nas 
noites de verão, a brincar na rua tranqüila onde moramos. Mas como 
se está chovendo? Pensei e olhei pela vidraça , enquanto os gritos 
já transmitiam um timbre de ansiedade crescente. O que antes me parecera 
serem várias crianças , eram só as duas meninas vizinhas 
do quinto andar que lá no térreo , em direção a janela 
de sua avó , no prédio ao lado, chamavam aos prantos por ela enquanto 
isso, na portaria do mesmo edifício o pai das garotas, com o recém-nascido 
filho, aproximava-o de si a intervalos intercalados e soprava cuidadosamente um 
pouco de ar na boca do bebê. Olhei pra cobertura no outro lado da rua e 
vi que o pediatra veranista não viera naquele final de semana. Corri até 
a varanda, joguei uma calça pro meu marido que já se encontrava 
de pijama, e quase em tom de ordem fui dizendo : _ Rápido! tira o carro 
da garagem que o Felipinho não está respirando! Rááááápido 
homem, que vou lá em cima olhar a mãe da criança!
Quando o elevador pára já ouço o pranto desesperado da vizinha 
que entra de camisola e vai me explicando : o filho engasgara ao mamar e não 
conseguia respirar, coloco minha blusa sobre seus ombros e lá embaixo nos 
explicam que Felipe, seu pai, sua avó e a médica urologista do térreo, 
já haviam seguido pro hospital com meu marido e que o vizinho do 103, já 
retirava o carro pra levar também a mãe do menino. Partem, levo 
as duas irmãs do bebê pra minha casa , peço pra minha filha 
estar com elas e enquanto minha mana prepara-lhes um chá subo novamente 
ao quinto pra ver se a mãe do bebê não esqueceu sua porta 
aberta. Lá estão já os sogros e a cunhada da dona da casa 
que fazem preces pelo pequerrucho. Ao descer pra buscar a jarra com chá 
ouço novos brados da outra vizinha na rua lateral, e ao invés de 
ir a janela desço até a rua pra onde o prédio faz a outra 
frente : "- O menino respirou, o vizinho do 103 acaba de retornar do hospital 
!" diz Verinha. - Pôxa , vamos dar a notícia lá em cima!
A festa foi grande, o filho varão do vizinho do quinto andar estava vivo!
O telefone toca, a irmã mais velha de Felipinho atende, é outro 
avô que deseja saber detalhes alem dos que Cecília ,a do segundo 
andar, contara.Interrompo a menina e sugiro, entre gargalhadas que diga: Vô 
, tá tudo bem apesar de a vó ter quase arrancado um dedo ao se despencar 
pela escada pra nos socorrer! A garota também acha engraçado e começa 
a dar risadas ao telefone. Enquanto do outro lado da linha o avô não 
compreende a farra. Todos nós na sala , parentes e vizinhos fazemos algazarra 
com muita alegria .
Volto pra casa, respiro fundo, toca o telefone, da outra quadra a vizinha quer 
saber se estamos bem, pois ouviu e acompanhou de lá "um certo alvoroço"... 
conto-lhe toda a história e noto que meu marido entra na sala retornando 
do hospital. Gostei quando ele me contou que desceu o morro buzinando direto e 
ouvindo xingamentos e impropérios vindos dos carros que subiam. . Pudera! 
Me contaram que o motorista de Felipinho errou o trajeto e foi na contramão 
até a subida do hospital evitando a volta pela carioca, caminho que sendo 
mais longo, gastaria preciosos segundos. O tal infrator, inclusive, jura também 
que não viu a médica , gaúcha que mudou recentemente pra 
nossa cidade, moradora do outro prédio, ir junto no carro, fazendo os procedimentos 
da respiração boca a boca no bebê. Estivéramos mesmo 
todos transtornados...
Dia seguinte ao som da campainha espio no olho mágico e vejo a família 
de Felipe que vem nos trazer um belo arranjo de flores. Ao nos despedirmos faço 
uma confissão ao vizinho:
Criatura! Que cena belíssima , apesar de extremamente dramática, 
ver você soprar na boca de seu filho! Com os olhos marejados ele responde 
: -"desci os cinco andares a pé, tentando fazê-lo respirar, 
estava tão desesperado, que achei que o elevador demoraria mais do que 
meus pés..."
Coisa mais linda, o zêlo que um adulto pode ter por uma criança. 
Do quanto somos capazes em prol da vida!
"Senhor meu Deus, quando eu maravilhada...fico a pensar nas obras de tuas 
mãos..."
Fora os funcionários e o médico plantonistas do hospital, naquela 
noite de sábado, pelo menos umas 30 pessoas em menos de 5 minutos, acorreram 
em prol do pequenino. Ainda há esperança...ainda somos capazes da 
solidariedade...foi o que senti! Enquanto se aproxima a data, quando festejaremos 
a ressurreição de Cristo , neste março de 2005, teremos boas 
oportunidades pra refletir que juntos, mulheres, homens enfim todos, crianças 
e adultos, somos capazes de comungar ações geradoras de sucesso, 
de alegrias e principalmente, de oxigenação às nossas vidas. 
Emocionante, encantador mesmo foi ver pela janela da área de serviço, 
os beijinhos ressuscitadores que aquele pai dava naquela criança enquanto 
aguardava socorro!