O sufixo dade forma substantivos que significam qualidade, estado, etc. Suponho
que ninguendade signifique estado ou qualidade daquilo que é ninguém.
Alguendade, presumo seja o antônimo de ninguendade. Procurei no novíssimo
dicionário Houaiss e também no conhecido Aurélio, ninguém
cita NINGUENDADE. A palavra consta da obra "O Povo Brasileiro" de
Darcy Ribeiro. O Professor Darcy escreveu livros que foram traduzidos para vários
países. Sua obra é bem trabalhada nas Universidades. Seu nome
é citado na música "A Cara do Brasil" em CD de Ney Matogrosso,
mencionando a fuga que o Professor fez da UTI de um hospital. Até nos
últimos momentos ele mostrou a nação que somos e nossas
vulnerabilidades. Darcy era Alguém com A maiúsculo, que amava
seu país. O antropólogo disse assim: ... "para livrar-se
da ninguendade de não-índios, não-europeus e não-negros,
se vêem forçados a criar sua própria identidade...".
Particularmente tenho apresentado sintomas estranhos de uns tempos para cá.
Aqui nasci e após alguns anos de ausência, para cá retornei
em 1980. Os sintomas mencionados são alucinações, as vezes
de origem auditiva, outras visuais, como também perda do sono, etc. Em
dias úteis, geralmente a tarde, ouço (e até já vi)
em exagerado nível sonoro viaturas anunciando: Abacaxis (inclusive a
fruta), parquinho com brinquedos infláveis, churrascos deliciosos, lojas
baratíssimas no centro, verduras bem ali na pracinha, picolés
até de fruta, bem como IPTU quentinho da hora. A noite ouço um
tum, tum, tum bem aqui neste ouvido, que me responde atrás do esôfago,
mas é só de quinta a domingo. São as festas pelas ruas,
boates e prédios com altas gargalhadas e foguetes. As vezes vou caminhar
pela orla maravilhosa da nossa praia. É quando posso avaliar a riqueza
que temos no município. Minha coluna, circulação e aparelho
respiratório bem como minha alma, sentem-se privilegiados. Vez por outra
encontro alguém de Laguna, sinto-me feliz e identificada com meu torrão.
Todos os adolescentes se tornaram meus sobrinhos, me chamam de tia mesmo que
eu jamais os tenha visto. Estou confusa. Crianças e adultos nas horas
mais imprevisíveis apertam prolongadamente o interfone fazendo-me lembrar
que precisam de um trocado, ou um lanche pois -"ainda não comi nada,
desde esta manhã..." Transformei-me em população-alvo.
Nem sou turista nem vejo respeitada minha nativa cidadania. Minha vida mudou
muito. Doce aconchego do lar tornou-se um conceito abstrato. Imagino que a NINGUENDADE
ÉTNICA, aparentemente inofensiva, diagnosticada por Darcy Ribeiro, tenha
sofrido mutação e eu venha desenvolvendo, já há
alguns anos, uma forma rara de: NINGUENDADE PSICO-SOCIAL, patológica,
específica no verão do bairro Mar-grosso. Entristeço ao
pensar que outras pessoas sentem o mesmo que eu mas não confessam com
medo do estigma. Não pretendo morrer disso mas o surto do ano passado
foi grave. Com certeza adoramos música e torcemos pelo nosso turismo.
Certo é também que o patrimônio histórico e as praias
são de todos. Contudo, nossa questão não é isolada.
A manezada da ilha de Florianópolis também já anda chiando.
No litoral norte mais acima, Camboriú já instituiu um evento ao
término da temporada, para os que ficam. Impeçamos que o Mar Grosso
vire "terra de ninguém". Repensemos o turismo !!!
Tem alguém aí?