A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Carta para um cego determinado

(Mafabami)

Quem sou eu caro poeta , para dizer coisas a um escritor da sua estatura?

Ora, isto não importa! Poetas se compreendem, mesmo anões que tentam dizer coisas a gigantes.

Sua obra é perturbadora e atemporal porque diz do futuro, do passado e do presente, tudo ao mesmo tempo.

Você dá de relho na gente. Bate pela nossa cara, pelos flancos e pelo lombo.

Você bate na minha história, no meu sonho, na minha flor.

Diz que por baixo da minha roupa nova, tem um corpo que é podre, quase podre.

Quase podre é muito pior do que podre. Você incomoda porque diz de si, de mim, de outrem, d'alhures, daqui, dali e talvez até de Dalí.

Quem sabe até, sua obra diga de nenhures algures porque merda, escarro, porra e outras coisas mais, serão pó. Dia desses, pó em otimista perspectiva pois dizem que daqui a pouco, nem pó vai sobrar neste planeta que violentamos a cada segundo. E o fazemos às gargalhadas, admitamos.

Aporrinhações ecológicas à parte, você atormenta o seu leitor e, caso ele sobreviva aos seus maus tratos, perceberá quem sabe, a ARTE fabulosa, espantosa literatura que você produz.

Na horrenda cena que fotografa, com a palavra que esfaqueia na linguagem destes malditos poemas e poética singulares, você nos comove. Nos arrebata enquanto constrange, em estética de difícil acesso.

Por fim você nos põe de joelhos e confessamos: Glauco me faz chorar, e à seco, com o talento que demonstra em sua obra.

Certa vez ouvi dizer que Vinícius de Morais, na platéia de um teatro, assistia a um espetáculo onde se apresentava Astor Piazzolla e lá pelas tantas o poeta brasileiro, não se conteve de tanto gozo, de tanta maravilha que era ouvir aquele bandônion e (dizem) berrou : " filho da puta!".

Talvez não me faça clara com o que digo aqui mas suponhamos que eu tenha sobrevivido ao seu bandônion Glauco. Sou uma senhora distinta de uma pequenina cidade (dizem), e farei minhas as palavras de Vinícius.

  • Publicado em: 10/10/2006
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente