Na rua Almirante Lamego no bairro Campo de Fora, no espaçoso terreno
daquela casa, criaram-se diversos filhotes de animais domésticos. A oportunidade
que aqueles bichinhos ofereciam de nos mostrar seu modo de vida era muito bem
aceita até porque, tínhamos criança crescendo junto e se
encantando.
Logo que acordava, a pimpolha ia até o quintal olhar os pintinhos que
bicavam farelos de ração. Com quatro sarrafos servindo-lhe de
pés, a uns oitenta centímetros do chão, a caixa de metro
quadrado, com um telhadinho de amianto e a parede frontal feita de tela, adquiria
aspecto de um... sobrado-galinheiro!
Pela portinhola retirávamos as três pequenas aves para um passeio
pelo chão. Ali permanecíamos acompanhando os graciosos pintos
que, presenteados pela professora Beatriz a vizinha, catavam minúsculos
comestíveis. Enquanto descobriam o mundo observávamos seus ir
e vir. Tempo e comida agindo juntos e os hospedes do mini-aviário foram
crescendo e se identificando, ou seja: tínhamos duas futuras galinhas
e um anunciador das manhãs.
Artur! Assim chamaríamos o galo, pois este nome, o mesmo do líder
dos cavaleiros bretões, faria jus ao futuro rei do terreiro. As frangas,
por questões éticas culturais não seriam agraciadas com
nomes de gente. Em nosso país o substantivo galinha pode transformar-se
em pejorativo adjetivo...
Antes do que supúnhamos, talvez por precocidade, característica
genética ou para honrar o nome recebido, Artur cresceu exageradamente.
Revelou-se também um galo de maus modos, correndo atrás de crianças
ameaçando-as. Nossa filha já não se enternecia com Artur
que enorme e desengonçado um dia alcançou-a dando-lhe uma forte
bicada na perna. Após o susto e o breve choro da pequena, começamos
todos a rir da estupidez e ousadia daquele galo. Planejá-lo como o prato
principal do almoço de domingo foi decisão unânime e imediata.
Já no sábado, tia Jaci, nossa chefe de cozinha para cardápios
especiais, deixou Artur temperado na geladeira. Colocar o galo no forno e cuidar
até ficar bem assadinho seria minha tarefa matutina do dia seguinte.
Nesta época, Fido e Charlot, nossos cães da raça boxer,
usavam parte do quintal onde tinham casa e canil além de área
livre. Um motor puxava água do subsolo para uma grossa mangueira que
instalada oferecia forte jato, ideal para lavação de calçadas,
canil, carro, etc. e também abastecia a máquina de lavar roupas.
Lá pelas dez da manhã, no ensolarado domingo, com o cheirinho
delicioso do tempero da tia Jaci, foi o Artur para o forno. Lavei os legumes,
as folhas, encaminhei o arroz, deixei a mesa posta e fui para o varal estender
umas peças. Lá da rua espiava através da porta de tela
para o forno onde o galo assava. Sabia que era uma ave grande, mas não
imaginei que começava a destilar gordura a qual acumulava-se e aquecia
na fôrma e ao seu redor. No quintal, Fido e Charlot faziam-me companhia
quando fui atraída por uma claridade que vinha do fogão. Percebi
de imediato: meu assado entrava em combustão!
A banha quente que lhe escorrera e encobrira, atraíra o fogo. Um perigoso
e incendiário galo punha em risco minha cozinha. Agitada voei até
a lavanderia, acionei a bomba e corri para a horta abrindo totalmente o registro
antes de juntar o mangueirão que aos pinotes, se desenrolava, já
esguichando água. Fido e Charlot interpretaram tudo como um convite a
brincadeira e me seguiram aos saltos, em farra .Foi assim que, empunhando aquele
jato em vasão máxima, disparamos pelo piso encharcado em direção
a cozinha. Perdi-me na curva e no escorregão fui deslizando sentada abalroando
Charlot que em ritmo de festa saltou sobre mim, sendo imitada por Fido que me
dava lambidas pela cara.. Consegui abrir a porta do forno, apaguei o galo e
fechei o gás. Neste ponto sentei-me e desatei a rir sozinha. Fido e Charlot,
atônitos, com a língua de fora e bem parados aguardavam meu próximo
movimento pra recomeçar. Custei a dar jeito naquele forno e naquele assado.
Felizmente a única vítima foi o galo que pode ser perfeitamente
aproveitado. Os que dormiam na preguiça da manhã dominical lamentaram
não me terem visto na função de bombeiro, duvidando das
tantas aventuras que narrei. Fido e Charlot muito excitados aguardavam a continuação
da brincadeira. A disposição de ambos para travessuras e seu caráter
lúdico eram inesgotáveis. Quanto a mim só uma boa soneca
vespertina recuperaria do susto que me dera o rei Artur.