A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

UMA GUAIPECA NO MEIO DELES

(Mafabami)

Outro dia, viajamos até a germânica Blumenau para conferir o lançamento, com novo selo editorial, de "Verde Vale". O romance histórico da catarinense Urda Klueger, conta sobre a vida dessa gente loura que veio se misturar a tantas outras raças no Brasil. Essa gente que trouxe da Europa, e recriou para os brasileiros, a Oktoberfest.

Segundo a poeta e jornalista Tânia Rodrigues, que prefaciou esta edição de Verde Vale, "Urda conquistou leitores com facilidade, já na obra de estréia. Porque fala de vida".

Os imigrantes alemães também colonizaram cidades aqui vizinhas de Laguna, ao sul do estado, e são ancestrais do meu marido. Certa vez fui passear na fazenda de seus tios, e, no meio da galhofa, me chamaram de guaipeca. Na verdade aqueles branquelos se encantam sim, com os tons de canela e os teores de melanina, presentes em nossas peles. O convite para o tal evento literário, que a editora mandara, levou-nos até Blumenau para prestigiar a escritora. A décima edição de um romance histórico é façanha na literatura barriga verde.

A avenida, defronte a Universidade, local do lançamento, estava abarrotada de veículos. Mal conhecíamos o trânsito e precisávamos retornar em seguida para o sul.

Michels, o branquelo ao volante, do meu lado, suspendeu os ombros dentro do paletó e, no melhor estilo, manobrou para o portão onde lia-se: "EXCLUSIVO PARA PROFESSORES DA UNIVERSIDADE". Adentramos o campus sob o olhar atento dos seguranças. Com a auto-confiança de uma guaipeca açoriana, metida em saltos altos, desci do automóvel bem sorridente, com a tranqüilidade de gente da casa. No saguão, após os discursos, fui chegando e adquirindo meu exemplar antes que se formasse fila. Com grande simpatia a obra foi autografada pela autora. Em poucas horas, de volta à praia onde Giuseppe e Anita se conheceram, eu lia em Verde Vale:

- "Me beija Reno! ........Respirando em grandes haustos sobre o corpo frágil da menina, Reno estava sentindo uma paz que nunca sentira na vida".

Romance precisa ter beijo. Romance lembra beijo. Literatura lembra cultura. Escritor precisa ter mercado. Outro dia um livreiro animado com a Bienal, dizia que o público, após passada a febre da auto-ajuda tem procurado bastante o texto erótico. Li a vida de uma tal Catherine que faturou horrores em vendas. Entre francesas experientes e bem vendidas e brasileiras amadoras não recordo enredo algum. Nada para contar. Uma coisa é certa, descrição de posições, detalhes de genitais e número de orgasmos, são bons para estudar anátomo-fisiologia. Alguém se habilita?

O erotismo precisa estar tramado com a vida e sempre que possível, com o amor.

Verde Vale tem a ver com a vida e com o amor. Dá roteiro de filme, e ou, minissérie de TV. Sua autora inclusive, professora de história, produz ciência também. Urda Alice Klueger atualmente desenvolve uma pesquisa sobre os povos sambaquianos, mas isto será assunto para novos livros.

Verde Vale tem tudo a ver com cultura. Branquelos e guaipecas tem a ver uns com os outros. Respirar em "grandes haustos" é pra quem tem coração... e fôlego!

É pra quem sabe.

  • Publicado em: 17/06/2003
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente