A Garganta da Serpente
Soro Antiofídico herpetologia
Quem não recua diante de uma serpente? Mesmo que saibamos que ela não é venenosa, nosso primeiro movimento é de medo ou aversão.

Depois de ser picado por um serpente, sua única saída é tomar soro antiofídico. Justamente por isso, vamos tentar discorrer rápidamente sobre um pouco da biologia desse ofídio misterioso.




OS RÉPTEIS   

Os répteis (do latim reptare=rastejar) constituem os primeiros vertebrados efetivamente equipados para a vida terrestre em lugares secos. Surgiram a partir dos anfíbios, há mais de 200 milhões de anos.

Características gerais dos répteis:

  • têm pele seca, rica em queratina, com camada córnea bastante desenvolvida, de maneira a contribuir para a adaptação à vida terrestre em lugares secos; é destituída de glândulas, podendo apresentar escamas, como no caso das cobras, placas dérmicas (jacaré), carapaças (tartaruga).
  • são pecilotermos, com respiração exclusivamente pulmonar.
  • o coração apresenta dois átrios e dois ventrículos, imcompletamente separados.
  • a circulação é fechada, dupla e incompleta: o sangue contém hemáceas nucleadas e elípticas.
  • os sexos são geralmente separados, com fecundação interna e desenvolvimento direto; os ovos são dotados de casca grossa, refletindo uma adaptação à vida terrestre, uma vez que protegem o embrião contra a desidratação.
  • o principal excreta nitrogenado é o ácido úrico, substância pouco solúvel e de baixa toxicidade. O ácido úrico pode permanecer no corpo do animal por um tempo maior do que, por exemplo, a uréia, e é eliminado com perda mínima de água.
  • sistema nervoso com 12 parese de nervos cranianos.
  • os répteis são os primeiros animais dotados de âmnio, saco que envolve o ambrião, isolando-o dentro de uma cavidade amniótica, cheia de líquido. São também os primeiros a apresentar alantóide, estruturas saculiforme que acumula os excretas embrionários.
Os répteis se dividem em quatro ordens: rincocéfalos; quelônios (tartarugas); crocodilianos (jacarés) e escamados. Os escamados se dividem em duas subordens: dos lacertídios (sáurios: lagarto, lagartixa e camaleão) e dos ofídios.
 

OFÍDIOS 
 

Répteis escamados, alongados, cilíndricos, ápodos, serpentiformes. Cabeça distinta e língua bífida. Conforme a presença ou não de presas inoculadoras de veneno e de acordo com a complexidade das mesmas quando presentes, os ofídios são reunidos em quatro séries:

Os ofídios podem ser divididos em 4 famílias:

  1. Família Booideos:
    série aglifodontes - dentes pequenos, maciços e aproximadamente iguais, sem função inoculadora. Ex: sucuri e jibóia
  2. Família Elapídeos:
    gênero micrurus - série proteroglifodontes: quando têm dentes sulcados na região anterior da boca. Ex: coral verdadeira.
  3. Família Colubrídeos:
    série opistoglifodontes - dentes maciços, sendo os últimos, do maxilar superior, sensivelmente maiores e dotados de sulco externo posterior por onde escorre o veneno. Ex: falsa coral, cobra-cipó,cobra-verde,  mussurana.
  4. Família Viperídeos:
    gêneros lachesis (surucucu), bothrops (urutu), e crotalus (cascavel)- série solenoglifodontes: quando têm dentes longos, recurvados e dotados de canais internos, na região anterior do maxilar superior. As presas têm grande mobilidade, são agudas e quebradiças.

 

SERPENTES VENENOSAS E PEÇONHENTAS 
 

Em princípio, todas as serpentes são venenosas, isto é, produzem veneno. Mas nem todas tem a possibilidade de inocular a peçonha, causando acidentes ofídicos.


SERPENTES VENENOSAS: possuem veneno, algumas presas desenvolvidas, não articuladas, e com poucas possibilidades de inoculação. A secreção de veneno aflora na cavidade bucal da serpente, atuando na digestão do alimento. Não causam acidentes.
Ex.: serpentes das séries aglifodonte e opistoglifodonte.

  • Cabeça estreita, ovalada, de contornos suaves, pouco distinta do corpo. Placas grandes e em número reduzido.
  • Olhos grandes com pupilas circulares. Sem fosseta loreal (ou lacrimal).
  • Escamas do corpo são achatadas, sem carena; ao tato, dão impressão de lisas e escorregadias.
  • Cauda longa, afilando-se gradualmetne
  • Quando perseguida foge.
  • Hábitos diurnos
  • Movimentos rápidos
  • Ovíparas - põe ovos.

SERPENTES PEÇONHENTAS: possuem veneno, presas anteriores desenvolvidas, fixas ou articuladas, inoculadoras do veneno. Através dessas presas inoculadoras, conseguem introduzir a secreção venenosa na corrente circulatória da vítima.
Ex.: serpentes das séries proteroglifodonte e solenoglifodonte.

  • Cabeça chata, sensivelmente triangular (devido ao desenvolvimento das glândulas de veneno), bem destacada do corpo. Escamas pequenas e numerosas, semelhantes às do corpo.
  • Olhos pequenos com pupila em fenda vertical, com fosseta loreal ou lacrimal (fossa pré-orbital) localizada entre os olhos e a narina, que são órgãos termossensoriais capazes de detectar a presença de presas de "sangue quente" (aves ou mamíferos).
  • Escamas do corpo alongadas, pontudas, imbricadas, com carena mediana, dando, ao tato, uma impressão de aspereza.
  • Cauda curta, afilando abruptamente.
  • Quando perseguida reage.
  • Hábitos noturnos.
  • Movimentos lentos.
  • Ovovivíparas - parem filhotes.
  • Os animais de sangue quente são emissores de raios infravermelhos.

As cobras peçonhentas apresentam um órgão adicional foto-receptor de raios infravermelhos, a fosseta loreal, localizado entre o nariz e os olhos. Dessa forma, podem perceber, a presença de um mamífero, mesmo no escuro, até uma distância de dois metros.

Vale observar que tais conceitos são originários da literatura européia e nem sempre se aplicam a nossa fauna. De fato, a jibóia tem a cabeça triangular e não é venenosa, enquanto a coral verdadeira é venenosa mas sua cabeça não é triangular. A coral, ainda, é destituída de fossetas lacrimais.

A picada de serpente deixa marcas características no local atingido. Pela análise da marca, deixada na pele, é possível determinar se a serpente é venenosa ou peçonhenta e, igualmente, determinar a série a qual pertence.


 

O VENENO 
 

O veneno das cobras é uma secreção tóxica das parótidas - as glândulas de veneno, que situam-se abaixo e atrás dos olhos e estão em conexão com as presas inoculadoras. É um líquido viscoso, branco (levemente turvo) ou amarelo, resultante de uma mistura de muitos protídios, uns tóxicos e outros inócuos, e substâncias orgânicas e inorgâncias micromoleculares.

Em virtude da reduzida mobilidade das serpentes, elas necessitam de um meio para deter os movimentos da sua vítima, de modo a poder ingeri-la. Daí a função paralisante da peçonha.

O veneno não serve somente para matar a caça, mas possui também ação digestiva, atuando no desdobramento das substâncias orgânicas através de fermentos digestivos muito ativos como proteases e lipases. A digestão nos ofídios, como nos demais animais, faz-se por decomposição dos alimentos que é facilitada pela inoculação da peçonha, anterior à ingestão da vítima.


 

TIPOS DE VENENOS 
 

  1. Crotálico (cascavel)
    Sintomas locais: insignificantes; pouco marcantes.
    Sintomas gerais: fraqueza progressiva e rápida. paralisia das pálpebras; perturbações visuais até a cegueira; paralisia dos músculos do pescoço (cabeça caída), vômitos, diarréia, uréia, urina sanguinolenta; pulso fraco; sonolência e morte por paralisia do sistema respiratório.
  2. Botrópico (jararaca, cruzeira, jararacuçu)
    Sintosmas locais: dor intensa; formação de flictenas; engorgitamento ganglionar; necrose dos tecidos.
    Sintomas gerais: hemorragia pelas mucosas (estômago, intestino, rim, boca, ouvido, útero), lesão dos tecidos (gangrena), taquicardia, alterações nervosas, podendo ocorrer a morte.
  3. Micrúrico ou Elapídico (coral verdadeira).
    Sintomas locais: dor intensa no local da picada.
    Sintomas gerais; salivação abundante, lacrimejamento, perturbações nervosas, queda das pálpebras, tremura e angústia, respiração difícil, andar cambalenate, cansaço e dores musculares, dificuldades em articular as palavras, ligeiras perturbações visuais, morte por asfixia.

 

AÇÃO PATOGÊNICA DA PEÇONHA 
 

Vários fatores interferem na ação patogênica da peçonha. Será de acordo com estes fatores que haverá maior ou menor gravidade para uma vítima de empeçonhamento. Dentre tais fatores, deve-se levar em consideração a espécie e o tamanho da serpente, bem como as condições de saúde, receptividade, peso e idade da vítima. Além disso, é muito importante analisar:

  • Local da Picada:
    No caso dos gêneros "Crotalus" (cascavel) e "Micrurus" (coral), cujas peçonhas têm ação neurotóxica, quanto mais próxima dos centros nervosos a picada, maior a gravidade para a vítima. E, também, no caso da picada de qualquer ofídio peçonhento, se a região atingida for muito vascularizada maior será a velocidade de absorção e os efeitos serão mais precoces.
  • Agressividade:
    A surucucu-pico-de-jaca e a urutu, além do grande porte e, conseqüentemente, glândula da peçonha também avantajada, são as mais agressivas, trazendo maior perigo para a vítima.
  • Quantidade Inoculada:
    Estará na dependência do período entre uma picada e outra, bem como da primeira e das subseqüentes picadas, quando realizadas no mesmo momento. As glândulas da peçonha levam 15 dias para se completarem.
  • Toxidez da Peçonha:
    A peçonha crotálica é mais tóxica do que a botrópica e ambas, menos que a elapídica.

 

TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA 
 

O único meio eficaz no tratamento das vítimas de picadas de cobras é o soroterápico. A presteza é o fator mais importante no tratamento de pacientes picados por cobras e, dela, depende o salvamento de vidas.

No tratamento de emergência, em acidentes ofídicos, devem ser observados os seguintes cuidados:

  • Deve-se manter o paciente em repouso, evitando que ele ande ou se mova, espalhando assim o veneno, fazendo com que ele fique deitado com o membro atingido na horizontal.
  • Não amarrar ou fazer torniquetes no local da picada, pois isto restringe o veneno nesta região causando necrose ou gangrena.
  • Não fazer incisões no local da picada, pois além de alguns venenos serem hemorrágicos como o da jararaca, este procedimento pode aumentar a possibilidade de infecção local, inclusive por tétano, oriundo da flora bocal da cobra, e por instrumentos contaminados, como facas sujas e enferrujadas.
  • Não chupar o local da picada, pois o veneno não pode ser removido desta maneira.
  • Levar o paciente o mais rápido possível a um serviço de saúde, onde deverá receber soroterapia, o único tratamento adequado e eficaz, lembrando que o tempo entre o acidente e o atendimento médico é uma das principais formas de diagnóstico


SORO
 

Os soros antiofídicos, usados no tratamento contra picadas de cobras, contêm anticorpos específicos que neutralizam o efeito tóxico do veneno injetado na vítima.

Origem: soro de cavalos, hiperimunizados com veneno de serpente, contendo, portanto, alto teor de anticorpos.

Apresentação: ampolas ou frascos de 10 centímetros cúbidos.

Uso: injeção subcutânea, intramuscular ou intravenosa (somente nos casos graves), conforme indicações da bula.

Não se deve fazer aplicação intravenosa antes de testar a sensibilidade da vítima ao soro. Isto deve ser ficar aos cuidados de um médico.

  1. Soro antiofídico (polivalente):
    Soro de cavalos hiperimunizados com veneno de serpentes do gênero Crotalus e Bothrops. Indicado no envenenamento por qualquer serpente sul-americana, pertencente à família dos viperídeos. Deve ser usado nos casos de dúvida sobre a espécie da serpente causadora do acidente. Este soro não é eficaz contra peçonha de serpentes do gênero Micrurus (cobra coral).
  2. Soro anticrotálico (específico)
    Soro de cavalos hiperimunizados com veneno de Crotalus durissus (CASCAVEL), indicado no envenenamento crotálico.
  3. Soro antibotrópico (específico)
    Soro de cavalos hiperimunizados com veneno de serpentes gênero Bothrops. Indicado no envenenamento botrópico.
  4. Soro antimicrúrico ou antielapídico (específico)
    Soro de cavalos hiperimunizados com veneno de serpentes da família Elapidae. Indicado somente nos casos de envenenamento por Micrurus.

O tratamento requer soro específico, preparado para a espécie causadora do acidente ofícido. O veneno de uma espécie não é neutralizado pelos anticorpos produzidos contra o veneno de outra espécie.

BIBLIOGRAFIA:
Biologia Geral - Hennig & Ferraz.

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