A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

DESTRATANDO DEUS PRA VINGAR UM CORONEL

(Mafabami)

Deus. Tudo D'Ele é impregnado. Está em cada molécula (até no ôco negro, estudado pela cabeça cheia daquele inglês, cientista que entortou, de tanto saber). D'Ele não me livro, na prática. Só na razão. Dialética, particular, que reciclo e atiro, em peleja de rinha. D'Ele só me subtraio na teimosia do pensar. Se pudesse separar-me. Ausentar-me D'Ele. Arrancá-Lo de mim. Sitiá-Lo em perímetro. Questionar de seus motivos. Inquirir de suas culpas. Transferir-Lhe as minhas. Insultá-Lo. Afrontá-Lo. Enfrentá-Lo com a funda de Davi! Quisera surpreende-Lo no camarim, diante do espelho, colocando a persona de Causa. Mas Ele é só efeito. Eu só interrogação. Ele amor. Eu carecer. Estamos, somos, trama. Zigoto perene, de inatingível bioma. Não é, não há, Ele, distinto nalgum ponto, e eu, noutra dimensão (depois de tânatos), ou mesmo aqui (no por enquanto). Ele desdenha pronome, adjetivo, advérbio de lugar ou substantivo. Humana e inútil morfologia linguística. Talvez admita-se gerundio. Genuíno, sem talvez. Imune a mais esta minha perda de estribeiras. É imune a minha rebelação, de ser montaria de minhas próprias rédeas. De ser liberdade e desolação. Impassível ao meu corcovear a beira dos precipícios. É fluido, atemporal, embora me habite. Na forma de sêde, de impossível mamilo. Já me habitava, quando na escuridão, eu disputei o leite da hiena alfa. Me habita na forma de desejar a brancura, veludosa, de uma luz simbolista. Fome não saciada em Cruz e Sousa, que inerte foi devolvido. Em vagão de trem, como carga, cujo destino era o próprio remetente.

Deus habitava, sobretudo naquele réquiem a céu aberto, que um bando de quero-queros, realizou naquele 22 de março. Para um certo coronel Fernando. Fraterno elo. Deus habitou-me em lágrima vertida. Habita-me na reservada.

Deus é a sina, por mais que eu negue, de me agarrar ao prazer, como em trincheira, na hora do sofrimento. De querer abocanhar tua mordida e te devorar. Desejo de frêmitos, de salivas, de quase urina, de almíscar. Gemeres e urros de carnes latejantes. Embate de ventres. Entre gentes. Deus esta onde bem entende. Vai pra onde bem quer. Segue-O de imediato o cosmo. Como segue toda a colméia, a sua rainha endossando-lhe o rumo, para adoçar-lhe o gosto.

Deus, assim destratado permanece em mim e eu Nele. Ainda continua a abelha-mestra, zangão, toda a descomunal colméia. Operariando, usinando, para locupletar-se.

Permanece cais derradeiro da minha dor. Mel que me impregna e me assepsia do micróbio da vingança.

  • Publicado em: 03/06/2003
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente