Assim que iniciam as emissões vocais, as crianças tendem a repetir
as sílabas que conseguem articular. Essa parte do aprender vem se mantendo
da mesma forma. Quando nos referimos a um bebezão costumamos imitá-lo
pronunciando gu... gu... dá... dá... Já no caso do aprendizado
da leitura e da escrita houvera muitas mudanças. Os jardins de infância,
e a pré-escola cada vez mais aplicam técnicas inovadoras, juntam
o lúdico ao pedagógico e buscam... resultados! Vivemos a era da
produtividade, do lucro. Uma correria desabalada e desumana para ser bem sincera.
Produzir em série, monopolizar mercado, consumir, consumir, consumir....
Os imperadores querem massificar as populações, as sociedades.
Pequenas tribos auto gestoras vão sendo arruinadas. O que existe de gente,
de humano, de sensível em nós, vai dando lugar a racionalidades
obtusas de aparelhos de estado.
Tens dinheiro? Então és uma pessoa de bem, és cumprimentado
nas ruas. Serás julgado pela roupa e o carro que usas.
Ah! Mas eu falava de crianças... Sim, desde a primeira infância
até a puberdade as crianças tornaram-se também objeto de
cobiça, de troca e venda neste mundo de mercados. Há todo um comércio
que viaja pela pornografia, pela pedofilia, pelo tráfico, pela prostituição.
Práticas essas que originam outras atitudes monstruosas contra as crianças
como viciá-las, violentá-las e assassiná-las. Senhor tende
piedade de nós! Ontem mesmo uma menina de seus dezessete anos empurrando
um carrinho com bebê dizia-se soropositiva e pedia leite em pó
para o filho. Entre a compaixão e a revolta dei o dinheiro mas não
tive coragem de olhar o bebê. Eu não quis ver a face do inferno
de mundo em que vivemos.
Aproximam-se o dia das crianças e o dia dos professores. Felizmente temos
muitos exemplos bons ainda para ter esperanças. Pelas escolas deste país
ainda temos almas fantásticas, pessoas maravilhosas que sabem o valor
do seu trabalho e do amor que dedicam as suas crianças. A criatura humana
será sempre o conflito entre o bem e o mal. As crianças serão
sempre, em nossas vidas de adultos, o chamamento, o convite, a reestruturação
contínua do bem. Os professores, principalmente das classes iniciais,
serão sempre os grandes articuladores do futuro. Em nossa tri-centenária
Laguna já nas primeiras décadas do século passado a professora
Mimi (Arminda Nascimento) aprendia com sua mãe as lidas de ensinar uma
turminha de pré-escolares. Em uma sala da própria residência
da família funcionou por muitos anos a conhecida Escolinha da Dona Mimi.
Ali naquela sala, na subida ao lado da Fonte da Carioca, produziam-se em verdadeira
oficina humana, fios importantes do tecido social, malha bem tramada, bem colorida,
bem amorosa. Ali naquela escola artesanal estavam implícitas a ética,
a moral, o respeito pelo outro, etc. Naquelas relações interpessoais
iam se moldando as regras da boa convivência, se civilizando crianças,
pois escola é prioridade para que se aprenda a ler o mundo que está
por trás da palavra. A pensadora Rosiska Darcy de Oliveira que neste
segundo semestre lançou a obra Reengenharia do Tempo diz: "Uma civilização
obcecada pelo lucro e pelo consumo destrói sistematicamente as relações
próximas entre as pessoas. O que é da ordem do afetivo, do imaterial
amoroso, quase sempre anônimo, corre o risco de submergir em suas águas.
A vontade de ampliar as oportunidades de interação afetiva, de
concretizar projetos de formação, o apelo das alegrias, tudo converge
para a necessidade de nadar contra a maré."
Recentemente tive a oportunidade de abraçar e beijar a professora Mimi
nos seus oitenta e poucos anos de doçura, morenice e lucidez. Ah! Quanto
precisaríamos de mais gente assim tão digna, tão respeitadora
da alma infantil. Essa gente grande no melhor sentido da palavra. Além
de Mimi tem também a mana Dadá, nosso cérebro da matemática
desde o Ginásio Lagunense. Dadá, a professora Elza Nascimento,
um talento para as ciências exatas, lecionava para o Curso Científico
e o Técnico em Contabilidade.
Fazia tempo, professoras Mimi e Dadá queria dizer-lhes do bem que trouxeram
para a sociedade lagunense. Sempre que as vejo, firmes longevas caminhando altaneiras
na sua singeleza, pelas ruas da cidade, penso que a vida tem conserto. Penso
que os balbucios infantis que começam com gu... gu... mi... mi... dá...
dá, poderão transformar-se em cânticos, poemas, discursos
e orações na boca de verdadeiros seres humanos. Muito obrigada
Mimi. Muito obrigada Dadá.
Fraterno abraço da Fátima.