Da primeira vez que te vi...
Eu procurava conchas e búzios pela praia.
A onda escoou, avistei um e juntei-o. Uma carninha alva recolheu-se para dentro
dele. Teria que respeitar aquela forma de vida. Renunciaria aquele pequeno búzio
tão lindinho. Ele, seu inquilino e o mar mantinham um caso perfeito de
vital relação. Antes que o tridente mitológico (guardião
e governador do oceano) me garfasse, devolvi a calcária formação
ao seu habitat. Caminhando... Te aproximaste, sorrindo, fones ao ouvido (conchas
te confessando intimidades?), trazias no olhar um jeito safado. Sem nunca ter
me visto, me entregaste uma grande concha vazia de marisco. Aceitei. O cintilante
porta-jóia, fôra domicílio de algum saboroso mexilhão.
Sem palavra dita, me estendeste a mão direita que ficou retida, envolvida
pelas minhas. Levemente pressionada (tua mão ficou presa por segundos)
na concha bivalve, na repentina flor carnívora em que se transformavam
minhas mãos.
"Obrigada"! Nada respondeste. Partiste. Sempre tive uma certa fraqueza
por mãos.
Um dia até falei pro médico. Ele era cardiologista e estava mais
preocupado com a minha hipertensão. Não tive coragem de explicar,
de contar tudo. É que em lugares públicos, olho furtivamente para
as mãos das pessoas. Considero especiais as mãos com veias aparentes.
Este fetiche me constrange, preciso fazer terapia. Teve uma época, inclusive,
que eu beijava muito as mãos do meu amor. Um dia contei-lhe que me imaginava
comendo mãos, ele mostrou-se aborrecido e contrariado. Para não
intimidá-lo passei a beijar seus olhos, sua testa, sua boca, sua concha
auditiva...
Na praia, conforme eu dizia, tive uma recaída, surtei mesmo, com tua
mão entre as minhas.
Se voltar a te ver...
Olha só, em casa, corri para o livro de Machado, o de Assis, folheei
bem rápido, tentando localizar alguma cena especial. Algo que descrevesse
detalhadamente o exato momento (se é que ele existia) da mão saindo
da luva, ou dentro dela se escondendo. Invejo a luva, venero a mão. Já
madrugada, busquei descobrir quem fôra Eurídice. Porque suas mãos
teriam merecido o texto teatral de Pedro Bloch? O que explicaria o sucesso da
tal peça? Nada me deu alento e fiquei contemplando minhas próprias
mãos, lendo-as por puro regalo. Não as palmas como qualquer quiromante.
Aprecio é o dorso das mãos. Sem dúvida adoro mãos
de todo tipo. Gosto até de simiescas mãos. Gosto até das
pequeninas mãos em forma de pinça dos caranguejinhos.
Se as pessoas se massageassem mais, umas as outras, todo o planeta seria mais
descontraído. Imaginemos o uso poderoso e terapêutico das mãos
a favor da paz e do carinho. Amanhã pela tardinha voltarei lá
na praia, buscarei novas conchas e aumentarei minha coleção.
Se vieres me trazer uma casa vazia de algum bichinho do mar? Se me trouxeres
uma estrela?
Se eu me trair diante de tuas mãos? Se eu me descontrolar? Tenho uma
alternativa. Não me leves a mal... Com relação as tuas
mãos... tomá-las-ei postas entre as minhas. Em conchas, vou conduzi-las
para aquele triângulo(não de bermudas), e embora em rota de perdição,
estarão protegidas do meu ataque canibal. Por lá, tuas mãos-concha,
acharão um berbigãozinho que, em nicho próprio, habita
num discreto mimetismo. Te abraçarei com ternura. Brincaremos iguais
as carninhas do mar. Esqueceremos as cracas-marcas que a vida e o tempo infligiram
as nossas próprias cascas. Seremos e faremos como mexilhões apaixonados,
namorando em simbiose perfeita. Lúdicamente, interpretaremos para uma
platéia seleta e boquiaberta de: filhotes de siris, de savelhas talvez,
de gordinhos, ou peixes-rei em miniatura, tatuíras e até curiosos
maçaricos, típica fauna da beirinha rasa do mar. Serei um navio
naufragado, cujo tesouro incerto, os tentáculos teus, de um polvo sem
juízo, investigam. Quem sabe queres representar Ulisses, te debatendo
inteiro, bravamente derrotando os demônios de um insano mar-mulher por
mim personificado? Ou então serias meu Amyr e eu teu catamarã,
neste caso velejaríamos em preguiçosa cabotagem pelas ilhas de
Parati. Por fim, já lerdos, ficaremos, ensopados mexilhões exóticos,
até quando anciã prostrar-se a noite. Por atitudes assim, de desfrute
e despudor tamanhos, afinal, Netuno levemente corado, há de nos expulsar
das cercanias do seu reino. Falsos melindres daquele soberano. Certamente no
dia dos namorados, ele receberá libidinosos carinhos. Legiões
de sereias estarão em sua colossal e azulada festa líquida.