A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Devaneiando-se

(Tania Montandon)

Devaneiando-se às quimeras mais reais, tomando distância das sensações materiais e regozijando-se então da tersa posição de derrisão, escarninho das tragédias fatais. Com o espírito desvinculado do corpo carnal, assiste aos próprios desesperos e se espanta com o alvoroço por tão mundanas perecíveis futilezas.

Enleiando-se no processo com intrepidez e certa dose daquele gozo sofredor inato do qual ainda não conseguiu desemarnhar-se, engolindo raivas, mágoas, hostilidades, digerindo-as e, ao final dejetando-os; sente o peso e a aspereza daquelas ripas perpendiculares que lhe marcarão o corpo, a morte, a existência, a imortalidade da meta última.

Desgosto inquietante estiolando o mínimo orgulho que motiva tal criatura a inspirar cada molécula de ar. Irrevogável energia despendida no auto trucidamento desanimador, auto-compaixão comparável à estupidez maior.

Inapreensível certeza mórbida de energia desenlaçada, entrecortada por jatos populares proporcionando fincadas dolentes de pressão desmedida em pontos hipersensíveis.

Desesperança pesando desproporcionalmente sobre as costas de uma vida que se viu enjeitada, sufocada, desambientalizada no espaço menor, viés do acaso malquisto, tempo doído do curso vivido.

Descaso cabal do mínimo esteio que ainda enxergava. Fantasia explode do quero a morte, minha sorte! Células imperfeitas, espírito excêntrico repugnante afugenta belas expectativas divinas. Deus errou, humano existe que não concorda, dispensa tudo pois não tem mais como dar corda. Conta pesada a do lutar, cada vez mais está menos a compensar. Projetos de auto-extermínio entram em ação - falta de opção.

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