As sociedades disciplinares procedem à organização dos
grandes meios de confinamento. Estes visam concentrar, distribuir no espaço,
ordenar no tempo e compor no espaço-tempo uma força produtiva
com efeito superior à soma das forças elementares.
Esse modelo sucede as sociedades de soberania, cujos objetivos eram mais do
que organizar a produção, decidiam sobre a morte mais do que geravam
a vida. Eram extremamente repressores. Napoleão marcou a transição
de um modelo ao outro.
Após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade disciplinar encontrou uma
forte crise generalizada a todos os meios de confinamento, em que toda a agonia
acarretou o surgimento de um novo modelo de organização
as sociedades de controle, que designa a sociedade atual.
Como exemplos, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização,
os hospitais-dia, o atendimento a domicílio puderam marcar de início
novas liberdades, porém também passaram a integrar mecanismos
de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos, o que merece já
uma nova reflexão.
Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são
uma modulação, como uma moldagem auto-deformante que mudasse continuamente
a cada instante. Numa sociedade de controle, a empresa substituiu a fábrica
e tornou-se a alma do sistema.
A situação de empresa pode ser adequadamente expressa através
dos jogos de televisão idiotas. A fábrica constituía os
indivíduos em um só corpo, sendo cada elemento vigiado; e a massa
coletiva formava sindicatos mobilizando a resistência. Já a empresa
introduz sempre uma rivalidade inexplicável como sã emulação,
excelente motivação que contrapõe os indivíduos
entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo.
Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar, enquanto
nas de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação,
o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma
mesma modulação, como que de um deformador universal.
As sociedades disciplinares possuem dois pólos: a assinatura que indica
o indivíduo e o número de matrícula que indica sua posição
numa massa. Já nas sociedades de controle o essencial é a cifra,
uma senha, ao passo que as disciplinares são reguladas por palavras de
ordem. A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que
marcam o acesso à informação ou à rejeição.
O dinheiro exprime bem a distinção entre as duas sociedades, vista
que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro. A velha toupeira
monetária é o animal dos meios de confinamento, mas a serpente
o é das sociedades de controle. Este é mais esperto atualmente,
sutil, embora não menos poderoso e perverso.
O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, enquanto
o homem do controle é mais ondulatório, que funciona num feixe
contínuo. As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas
simples, alavancas, roldanas, etc. As sociedades disciplinares recentes tinham
por equipamento máquinas energéticas. As sociedades de controle
operam por máquinas de informática, cujo perigo passivo é
a interferência e o ativo à pirataria e introdução
de vírus. Além de uma evolução tecnológica,
é , mais profundamente, uma mutação do capitalismo.
O serviço de vendas tornou-se o centro ou a alma da empresa.
O marketing é o instrumento de controle social, forma a raça impudente
de nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação
rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a
disciplina era de longa duração, infinita, contudo o homem endividado.
A inaptidão dos sindicatos das sociedades disciplinares permite compreender
a progressiva implantação de um novo regime de dominação.
Os sindicatos eram ligados por toda sua história à luta contra
disciplinas ou nos meios de confinamento. Será que conseguirão
adaptar-se ou ceder lugar a novas formas de resistência contra as sociedades
de controle no futuro próximo? Será que já se pode apreender
esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing?
Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos
de uma toupeira. Cabe aos jovens se conscientizarem disso e escolherem a que
desejam servir e ao que desejam aspirar. É do que depende o futuro da
sociedade.