A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A felicidade é simples

(Tania Montandon)

Pela primeira vez resolvi escolher o título do que estou a escrever antes de o fazer. Por quê? Vários fatores me vêm à mente, entre eles o velho clichê que escrever pra ajudar com dicas e conselhos é coisa de quem quer chamar a atenção, ensinar a tal "auto-ajuda", a classificação do único tipo de livro que nunca me foi de auto-ajuda de fato, ao contrário de tantos outros considerados pessimistas, depressivos, desaconselhados aos temperamentos mais sensíveis, os polêmicos, os censurados, os marginalizados, os imorais, os ousados, inovadores, "perigosos"… Outro fator seria o dos conceitos e valores para temas e palavras abstratas que, por mais que se destrinche, nunca se chega a consenso pela inerente condiçã o humana de ser impossível que todos valorizem por igual tudo, pensem o mesmo, vivam uma mesma história e conheçam as mesmas culturas.

Felicidade, você saberia definí-la? Provavelmente poderia pensar uma concepção desta palavra que satisfizesse a sua subjetividade e talvez outras ou muitas, dependendo de suas habilidades linguísticas, familiaridade com a inter-comunicação, empatia, capacidade de percepção e expressão, etc. Mas certamente não conseguiria cria um conceito aceitável para todos. Isso é complicado? Alguém com quem conversava a respeito me disse que sim. Para mim é tão simples! Assim como o que é complicado para um é simples para outro, o que é felicidade para um não pode ser infelicidade para outro?

Ser presidente de uma grande naçao do Primeiro Mundo (se é que alguém ainda entende essa obsoleta expressão), ter poder de decisão sobre a vida e a morte de milhões de pessoas, ter o poder de manter o conforto de "seu" país à custa da destruição veloz , assustadora e global do meio ambiente, clima e natureza, suponho que isso seja a "felicidade"de uma pessoa. Sim, precisa ser uma pessoa aquém dos valores humanos mais nobres, talvez alguém que precisasse de mais vidas para conseguir aprender mais sobre as coisas triviais e ordinárias do cotidiano em detrimento de uma paixão descontrolada pelo extraordinário, pela tentativa de descobertas sublimes que lhe dessem aprovaçao social, sem saber que esse instinto de um pouco de insatisfação e busca constante por algo faz parte de todos os seres humanos e a aprovação alheia de muitos não garante a auto-satisfaçao e realização, provavlemente mais a afasta e esconde onde menos se procura: dentro de si.

Sabe? Na verdade, alguém realmente me provou que a felicidade pode sim ser simples e atingida com muito poucos recursos. Um grande amigo ensinou-me que viver feliz é viver por inteiro no presente, sentir tudo que sem esquiva, aceitar a dor com humildade e resignação de quem sabe que não controla muita coisa mesmo. Viver feliz é alegrar-se como as crianças pequenos quando a sensação aparece e acolhê-la no momento, sem preocupações, ressentimentos, sem apego a passado e futuro. Um grande amigo ensinou-me que ser feliz é precisar de pouco, vibrar com cada oportunidade de contato com a natureza, os sorrisos, a ternura, o conforto, tolerar os momentos em que nada disso está disponível e , mais forte que tudo isso, ser feliz este grande amigo ensinou-me que está mesmo na difícil e simples habilidade de conseguir amar, compartilhar, estar presente em momentos significativos, sejam de prazer ou dor, entregar-se com ingênua confiança à devoçao de um outro ser desejando-lhe o melhor, aproveitando e valorizando sua companhia, completamente sem outro interesse que não o simples desejo do compartilhar e buscar momentos de alegria.

Também sei que, assim como o que este meu grande amigo tanto me ensinou e provou tocou-me de uma maneira que não há como ter sido igual com a mais ninguém que o conheceu, o que escrevo aqui também não tocará as pessoas por igual. E, com certeza, se eu começasse dizendo que este meu grande e melhor amigo é meu cãozinho Billy, com quem convivi em média quinze horas por dia por mais de sete anos e que morreu atropelado na última quinta-feira, a leitura teria sido diferente, com "velhas opiniões formadas sobre tudo", ou que todos que perdem um cachorro passa pelo mesmo e demais clichês.

No entanto, não escrevi pra ser aprovada por muitos, escrevi pra aliviar meu coraçao e mente, pra colocar pra for a pra quem quiser ler, comentar ou criticar. Escrevi por mim, para vocë, numa confissão que gostaria de alguma compreensão e na esperança de que, alguém que leia, possa dizer algo do que pensa pra compartilhar comigo, assim como, vulneravelmente, compartilho aqui minha mais profunda intimidade, na imprudência das almas sensíveis de fazer isso nos momentos de maior fragilidade, quando menos o deveriam.

Mas digo que sim. A felicidade é simples, pros poucos que a sabem distinguir e captá-la, e transbordo em gratidão por tão sublime ensinamento vindo de um ser com tão poucos recursos e , misteriosamente, tanta humanidade que parece faltar em "humanos" de espécie! Obrigada, Billy!

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