A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

A febre e o amor antigo

(Cissa de Oliveira)

Que eu me lembre, esta é a primeira vez que escrevo enquanto estou com febre. Dói-me o corpo e eu tenho calafrios, indícios de uma gripe das bravas. Que belo feriado de Páscoa! Mas o que eu posso fazer, além de tomar remédio e descansar? Essas são daquelas coisas inesperadas, e sobre as quais o controle é impossível ou tardio: igual ao amor antigo, e nem sei porque eu penso nisso. Pior, por que eu escrevo entre cobertores e chás ferventes se eu sei que depois, ao computador, mudarei tanto o texto que parecerá um outro de idéia contrária? Nada mais justo, repenso, pois se a páscoa é a renovação, o que um amor antigo faz aqui, entre o peso dos cobertores?

Por certo eu corrigirei, dizendo que o amor antigo nada mais é do que uma nuvem de cinzas, ao vento. Por ora, digo que ele é um castelo, bem ao estilo daqueles que não se constroem mais, e a sua lembrança, a água do fosso onde podemos nos afogar. Há que se saber nadar. A ponte? Ao tempo o que é do tempo, que amor antigo dói mais do que dor de gripe; ou porque foi bom ou porque não foi. Instiga como uma luz vestida de sombras. Pode-se apenas sabê-la, como num sonho quando se acorda.

Amor antigo... eu tenho é medo de amor antigo!

Talvez a minha avó, se lesse isso, dissesse complacentemente: - Ela estava "tresvariando", sabe como são as coisas da febre.

Talvez. Talvez. Talvez. - Talvez eu nem saiba nadar... e talvez eu esteja amando.

Talvez eu já tenha mudado o texto.

Sei lá.

O chá vai bem mas a febre, eu nunca soube o que fazer com as coisas inesperadas.

(16.04.06)

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente