O Sr. preocupado, em nada lembrava Mindinho, o Menino do Pocotó. É
isso mesmo, ele era daquele tempo. Do tempo do cavalinho de pau. Da época
em que lacraia, era apenas uma designação para centopéia.
Naqueles idos, a bordo do seu alazão, tinha o Zorro como ídolo,
e o mundo, para ele, era apenas uma gangorra.
Ali, ele era o aventureiro que atravessava rios, e da montanha mais alta, desvendava
paisagens. Sempre o mocinho, ganhava batalhas, beijos, medalhas. Melhor do que
isso, só as histórias da mãe. Histórias de tudo,
até de assombração. Certa noite, ela disse que contaria
a história no escuro. À determinada altura, ao vivo e a cores,
apareceu um fantasma que tinha fogo na boca. Como era possível? Algazarra
da criançada. Não imaginavam que era brincadeira da tia, aumentando
as asas da imaginação da mãe. E além das histórias,
havia as músicas. E nem eram de ninar. Na verdade eram para animar, sonhar.
Ela dizia: - Agora, vou cantar a música para quando o Mindinho for grande!
- Ah! E a minha? Os outros reclamavam.
Tempos depois - mais ou menos aos dez anos - as histórias foram diminuindo
e o cavalinho, há muito, coisa do passado, vivia em alguma gaveta da
memória do menino. Tão consistente quanto a névoa nas montanhas
que ele passou a enxergar lá longe.
O Menino do Pocotó adolesceu. Cresceu. Ganhou pêlo, voz engrossada.
E agora, adulto, tantas vezes, adormece pela metade. Pudera, é pouco
chão pra tanto corredor, tanta sala, tanto labirinto, tanta guerra. Vai
que amanhã ele acorda com alguma notícia bombástica do
tipo: "Bush desconfia que estão sendo produzidas armas químicas
na Amazônia..." Corre à janela e, além do cinza, só
o vermelho. E não é daquele, da boca do fantasma das histórias
da infância.
O que é bom, demora. E quando vem é com urgência. Acaba
depressa. Então, vez em quando, há que se farejar. Correr atrás.
Sair na frente. Vigiar. E se relaxar, deixar os sapatos a postos. Aparar as
arestas. Redescobrir labirintos. Cheirar o queijo, a água, o ar, a faca,
o diabo. Sabe como é, sempre se perguntar: se eu não tivesse medo,
o que eu faria? O Sr. Preocupado já descobriu. Vai pra Europa. Vôo
747, acho. Influência do Zorro é que não foi. Premonição
de música de mãe, foi isso. Aposto.
Ah! Dá licença: é duro "adultecer". Palavra esquisita?
O Menino do Pocotó não acharia. Acabei de inventar. Tem cores
de arco-íris. É um presente meu pra ele, só pra ele, ta?
Falando nele: - Mindinho, chama o alazão e chega pra lá. Deixa-me
naquela montanha mais alta, que isso aqui está virando Bagdá,
aquela, depois da guerra.