A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Gente indiscreta

(Cissa de Oliveira)

Eu era viciada em refrigerante. Acho que também em fazer planos. Era chegar o final do ano e lá se vinha uma lista das grandes.

Neste ano foi diferente. Entre tantos planos que eu poderia fazer, o único que eu fiz, de fato e sem rabiscar nem piscar, foi o de não beber, durante os próximos trezentos e sessenta e cinco dias, qualquer refrigerante. Digamos que foi uma promessa feita sob a luz da razão, e dos fogos de artifícios derramando estrelas coloridas na areia da Praia Grande. Além do mais, tudo nessa bebida é excesso. O açúcar, o gás, o aromatizante. Quanto aos planos, pode ser que eu ainda faça mais alguns, lógico, sempre sob a luz da razão.

Há cinco anos eu rabiscava uma lista deles sob a pouca luz da emoção, para depois esquecê-los em alguma página da agenda, afinal eram planos de longo alcance e que eu não precisava ficar relembrando todos os dias. No caso do refrigerante não. É todo dia. Na hora das refeições, na hora do calor, na hora daquela vontade de "alguma coisa" que a gente não sabe muito bem o que é, mas que na verdade só tem um nome: ansiedade.

Na ausência do rabisco dos planos, não há como ter a segurança de que tudo foi previsto, mesmo que a lembrança do previsto seja vaga, muito vaga. Agora, vez em quando eu tenho de me questionar: - O que é mesmo que é importante e prioritário no andamento das coisas?

Engraçado é que há sempre uma nova luz, uma possibilidade, um sonho se descortinando, um permitir-se, e por que não? Mas engraçado, engraçado mesmo, é não sentir a mínima falta dos planos, digo, dos refrigerantes! Na verdade ninguém liga à mínima para os meus planos, se foram feitos ou não, mas já há quem faça piadinhas perguntando sobre uma tal de "loira gelada" e outros pseudônimos para a cervejinha.

- Ô gente indiscreta!

(16.01.05)

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