É duro. Segurar a barra dessa vida é para quem é muito, muito
macho. Joga-se daqui e também de lá. Tapa-se o sol com a peneira.
O que precisar. Dá nem para pensar. Agora, então, quem tem livre-arbítrio
é o cheque. Voa para trinta, cinqüenta, noventa ou mais dias. Por
sorte, dinheiro não é problema, ao contrário, é solução.
Eu é que sou mesmo burro e, provavelmente, feio, pois as soluções
teimam em espantar-se comigo. E, embora eu não diga, eu idem com elas.
Dizem que o mundo é pequeno e, daqui do alto dos meus quarenta e quatro,
agradeço. Assim, vez em quando a solução esbarra em mim.
Pior é procurar solução e encontrar confusão. Só
não quebro a cara porque sou muito, muito macho. Explico-me: da última
vez que, já exausto com tentativas frustradas, procurei uma solução
definitiva, arrastei a família toda para o constrangimento. Minha mulher
anunciou a programada fatalidade: "- Já marquei com a psicóloga.
Sugeriu irmos todos. Você, William, Carlinhos e eu. Olha que os meninos
estão chateados... assustados, envergonhados".
Esses meninos! Conversas, broncas, chineladas e... mijo nas camas depois dos seis,
sete, oito, nove anos! Taí uma coisa que não consigo entender. Já
não chegam meus estresses?
Às vezes minha mulher tem que estacionar o carro quando chego. Chego correndo.
Pior é o motivo da minha correria. Geralmente tudo acontece tal qual dia
destes: entrei. O lavabo estava ocupado. Subi ao banheiro do segundo andar. Consolei-me
dizendo que eram coisas da vida estressante. Minha mulher matracava na porta do
banheiro. Foi quando contou-me sobre a consulta. Recoloquei a cueca. Entramos
no chuveiro, a cueca borrada e eu.Não fui o primeiro e nem seria o último.
Toda a família já ficou mesmo sabendo! Minha mulher contou para
as irmãs. Preciso dizer mais? Disso já cuidam meus cunhados. Com
a dureza da vida, incluindo-se aí o Prozac, tudo faz parte. Exemplo disso
foi a visita à tal psicóloga.
A sala de espera estava vazia e seríamos os próximos. Ao entrarmos,
os meninos já não pareciam preocupados. Após a conversa inicial,
que me pareceu superficial até demais, o motivo da nossa ida ao consultório
ganhou seu devido espaço. Lá pelas tantas, todos perfeitamente "climatizados",
a psicóloga fazia aos meninos as mesmas perguntas. Eles respondiam e todos
conversávamos a respeito. A certa altura, ela perguntou:
- Você percebe quando faz xixi na cama, Carlinhos?
Sua longa resposta foi:
- Não!
Mesmo sob o controle da psicóloga, o assunto ganhou tom de piada. Puro
disfarce. O William parecia calmo, mas o Carlinhos (o caçula e mais danado)
sentia-se pressionado. Encompridava as respostas tanto quanto diminuía
a paciência.
Quando o tempo estava esgotando-se, para descontrair, eu disse ao Carlinhos:
- Então, xixi na cama é coisa do passado? - Perdi por não
ficar calado...
- E você? Cocô nas calças é coisa do passado?
- É verdade, pai? - perguntou a psicóloga.
Tive que falar a verdade. Criança não mente, e o Carlinhos estava
decidido...
- É verdade. Sabe como é: estresse, correria...
A sua maneira, ela falou:
- É provável que seus filhos, mesmo com sete e nove anos, façam
xixi na cama como uma espécie de imitação a você, pai.
Eles só querem agradar você, pai. Aproxime-se mais deles, entende?
Nunca mais voltamos ao consultório. Os meninos pararam de mijar nos lençóis.
Acho que entenderam. Vez em quando, apareço borrado. Mas é porque
sou muito, muito estressado. Macho estressado, diga-se de passagem.
(In: Com licença da palavra : Antologia do Grupo Pax Poesis Encantada. Ed. Scortecci - SP, 2003.)