A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A comedora de hóstias

(Cissa de Oliveira)

Quando ela era menina e estudava no Colégio de Freitas, vivia cercando a freira que cuidava da capela: - Como é que se faz as hóstias? Mas a irmã era irredutível: realizava sozinha, e com ar de muita pompa, o ofício. Bons tempos aqueles em que a menina saberia dizer, pela data, qual seria o salmo, os mais adequados cânticos, a cor da vestimenta do padre e também a do altar.

Numa feita, ficou doente. Era caxumba. Nada de brincadeiras e nem de muito contato. Nada. Uma praga. No domingo, o ouvido estava mais para tampado mas não o suficiente pois do pátio vinha a algazarra das brincadeiras, dos jogos, das risadas; e a menina? Na enfermaria. Acaso o padre não dizia no sermão sobre as graças da comunhão, do poder do sangue e do corpo de Cristo?

Ocorre que no mesmo andar da enfermaria era a capela. O cálice estava repleto delas. Redondamente brancas, quase transparentes. O vinho, numa delicada e minúscula jarra. Foi tudo pela cura: comeu as hóstias como se fosse farofa e bebeu uma boa porção do vinho como se fosse K-Suco. Logo estaria curada, pensou. Curar não curou mas ouviu o sururu que vinha da capela na hora da missa da tarde...

Dias depois, a alta, e a sentença: aprender e fazer 500 hóstias. Enjoou da cara delas. Nenhuma sentença é gostosa. Que o diga a menina. E a freira pomposa.

(15/02/05)

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