A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Etiquetas

(Cissa de Oliveira)

Não consigo imaginar que alguém goste de etiquetas! Taí um pedacinho dispensável... e não importa a marca. Não existe uma só que me agrade! Uma dá alergia porque é de tecido acrílico. Outra machuca, porque as letras são bordadas. Outras esquentam ou esfriam porque são de algodão ou de seda: viram? Até as de seda incomodam. Existem também aquelas ridículas, por aparecerem mais do que a própria peça.

E aquelas que vêm nas roupas transparentes? Aproveitando a aparente fragilidade da peça, dá vontade de rasgar etiqueta e roupa de uma vez. Mas, as tais etiquetas são resistentes. Como tudo o que é inútil. Pior mesmo só aquelas que chegam acompanhadas: geralmente em duplicata, uma com a marca, outra com a numeração e as vezes outra, com as recomendações de lavagem. Colocar etiqueta em roupa transparente ou é sinal de burrice, ou de falta de imaginação. Pressupõe-se que a transparência é para mostrar - ou esconder só um pouquinho - você - não a etiqueta.

Quando criança, havia na minha imaginação, um botão que, se apertado, tudo acontecia, sem muito esforço; e também um telefone meio pré-histórico, sem contar o abracadabra, quando todas as portas se abriam! Hoje, mais que botão, há o sistema digital e as portas abrem-se ao mais leve sinal de aproximação. Quando posso, só de sacanagem, digo: - Abracadabra! E o telefone, então? Na maioria das casas, a quantidade de linhas - incluindo celulares - é maior do que o número de pessoas residentes. Fora o speed, que agora isso é facilidade!

Então na Era onde temos até o tecido inteligente moldando-nos o corpo, por que continuar usando essas etiquetas? Sonhar com uma simples etiqueta que não incomode é querer demais? Saudade do tempo do vestido costurado pela mãe; aquele que eu experimentava duas, três vezes até ficar prontinho e onde eu sempre enxergava os pequenos defeitos e avisava logo: tá mais comprido desse lado! Essa manga tá mais fofa! Quero um laço aqui! Devia ter entre oito e nove quando minha mãe decidiu parar com meus vestidos e assim entrei na etiqueta, que paciência de mãe também tem limite!

Na verdade, etiqueta não deveria existir. Mas, já que existe, poderia ser um adesivo provisório. Ou algo descartável. Ou em tecido biodegradável, autodestrutível. Ou comestível. Sei lá! Por que não? Qualquer coisa que nos poupasse! Isso evitaria um trabalho e tanto pra minha tesourinha e para a paciência de muita gente.

Imagino as propagandas:

Para as autodestrutíveis: leia atentamente as instruções pois após 3 segundos de contato com sua pele ela se auto destruirá!

Para as biodegradáveis: preservar-se é o primeiro passo para respeitar o meio ambiente... use roupas com as etiquetas "X" e preserve sua pele!

Para as comestíveis: três lambidinhas e esqueça este pequeno probleminha... vários sabores!

Nessa semana, andei perguntando: - O que você acha das etiquetas? As respostas não foram diferentes das que eu daria. Minha filha - sabe como é filho de peixe - foi logo dizendo: - Eu detesto etiqueta! Detesto! Corto todas! Por um momento pensei tê-la ofendido com a pergunta, tal foi a veemência na resposta. Fiquei esperando o final do discurso mas ela já tinha virado as costas. Ainda bem que nunca costurei pra essa menina! Uma amiga minha disse: - Acho-as grandes! Quando em roupa justa, ficam aparecendo. Outra, saiu-se com uma que nunca notei, pois minha tesourinha continua sendo usada: - Etiquetas de calça comprida, com o atrito sobre a calcinha fazem com que esta comece a desfiar.

Ora! O que desfia um tecido inorgânico pode também desfiar um tecido orgânico: sua pele!

Então, já que não dá pra sair "à la sereia" ou abaixar as calças quando lhe dá na telha, abaixo as etiquetas!!!

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