O homem estava trabalhando. Era noite já. Ele era porteiro, ia fechar
o estabelecimento. Talvez morasse longe.Talvez fosse pegar duas conduções,
aquele homem. Chegar em casa de madrugada, dormir e voltar para o trabalho.
É a vida. Logo se vê que não era moleza a vida daquele homem
empregado ali há apenas três dias. Mas duro foi dar de cara, na
porta do estabelecimento com um bandido. Queria entrar, o bandido. Queria porque
queria. Pelo que se desenrolou depois eu imagino o que o bandido deve ter gritado
na porta: - Sabe com quem ta falando? Teve a entrada autorizada pelo
gerente.
É estarrecedora a cena daquele juiz, no Ceará, atirando na nuca
do porteiro do supermercado. As câmeras entre as prateleiras do local
registraram quando ele se dirigiu ao porteiro que o irritara na porta, e a execução,
a sangue frio. O que mais se pode pensar depois disso? Teria o bandido já
executado outras pessoas indefesas? Testemunhas viram o porteiro implorar pela
vida. E o que sentiu a família, os filhos do porteiro-vítima-do-bandido-juiz,
assistindo o acontecido pela televisão, como se fosse a propaganda de
um produto do supermercado, entre uma notícia e outra do telejornal.
Uma propaganda de um pacote de chá, quem sabe. Chá de erva-cidreira.
Quem assistiu o jornal pela televisão no dia seguinte ao assassinato
pôde ouvir o presidente do Superior Tribunal de Justiça pedir,
não sem um risinho - eu não entendi aquele risinho - para as pessoas
tomarem algum chá de erva-cidreira, quem sabe, um medicamento, para se
acalmarem. Muitas coisas poderiam ser sugeridas para eles tomarem, desde arsênico
até vergonha na cara. Ia fazer um bem danado para a humanidade.
Dessa vez não há pessoas nem a imprensa de fora cobrando justiça
como no caso da irmã Dorothy assassinada no Pará, e aí?
Se esse juiz não for para a cadeia não dá para acreditar
em mais nada. Muito menos em chá de erva-cidreira recomendado com risinho
de "madalena arrependida" do judiciário, o que significa que
os bandidos, esses sim, vão continuar vivendo.
(02.03.05)