A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O bandido juiz

(Cissa de Oliveira)

O homem estava trabalhando. Era noite já. Ele era porteiro, ia fechar o estabelecimento. Talvez morasse longe.Talvez fosse pegar duas conduções, aquele homem. Chegar em casa de madrugada, dormir e voltar para o trabalho. É a vida. Logo se vê que não era moleza a vida daquele homem empregado ali há apenas três dias. Mas duro foi dar de cara, na porta do estabelecimento com um bandido. Queria entrar, o bandido. Queria porque queria. Pelo que se desenrolou depois eu imagino o que o bandido deve ter gritado na porta: - Sabe com quem ta falando? Teve a entrada autorizada pelo gerente.

É estarrecedora a cena daquele juiz, no Ceará, atirando na nuca do porteiro do supermercado. As câmeras entre as prateleiras do local registraram quando ele se dirigiu ao porteiro que o irritara na porta, e a execução, a sangue frio. O que mais se pode pensar depois disso? Teria o bandido já executado outras pessoas indefesas? Testemunhas viram o porteiro implorar pela vida. E o que sentiu a família, os filhos do porteiro-vítima-do-bandido-juiz, assistindo o acontecido pela televisão, como se fosse a propaganda de um produto do supermercado, entre uma notícia e outra do telejornal. Uma propaganda de um pacote de chá, quem sabe. Chá de erva-cidreira.

Quem assistiu o jornal pela televisão no dia seguinte ao assassinato pôde ouvir o presidente do Superior Tribunal de Justiça pedir, não sem um risinho - eu não entendi aquele risinho - para as pessoas tomarem algum chá de erva-cidreira, quem sabe, um medicamento, para se acalmarem. Muitas coisas poderiam ser sugeridas para eles tomarem, desde arsênico até vergonha na cara. Ia fazer um bem danado para a humanidade.

Dessa vez não há pessoas nem a imprensa de fora cobrando justiça como no caso da irmã Dorothy assassinada no Pará, e aí? Se esse juiz não for para a cadeia não dá para acreditar em mais nada. Muito menos em chá de erva-cidreira recomendado com risinho de "madalena arrependida" do judiciário, o que significa que os bandidos, esses sim, vão continuar vivendo.

(02.03.05)

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