Dizem que toda família tem um endiabrado e se assim for, elejo sem "mais
mais", o Chico, o que veio depois de mim na hierarquia dos Araújo
Moreira, como o tal. Senão vejamos: tardezinha de domingo na praia e
eu vestida de lençol, padecendo dos exageros do sol daquele dia, aboleto-me
na poltrona da sala. Meu marido foi atender alguém ao portão,
o que me fez pensar em dar o fora da sala, coisa que logo desisti ao ouvir a
voz do vizinho, justamente o Chico endiabrado. Aquela rua ainda vira uma
Rua Alba... Rua Alba foi a rua da nossa infância, onde havia nada mais nada menos do que cinco casas de cinco pessoas da mesma família, distribuídas em apenas dois quarteirões.
Mais esticada do que salsicha empanada, permaneci aboletada, afinal, ele é
desses que sempre tem um "causo" pra contar, sendo ele mesmo, muitas
vezes, o protagonista. Não demorou e veio à tona o primeiro "causo".
Aconteceu na empresa, ele disse.
" Certo dia, o pai da recepcionista chegou, aparentemente para visitar
a filha ou sabe-se lá o que. Estava meio 'alto', sabe como é...
Umas canas... E o Chico falava isso de forma bem característica, olhando
meio de lado, com um jeito de quem embute no comentário uma explicação
recheada de mistério mas emendando em tom decisivo: esperem pra ver o
que aconteceu! A recepcionista precisou se ausentar por alguns minutos e no
lugar dela ficou uma das vendedoras; uma loirinha... e as mãos do Chico
faziam umas curvas no ar, indícios de certos atributos da vendedora.
- Sabem o que o sujeito fez? O Chico nos perguntava com cara de quem vai falar
do inimaginável. - Pois o sujeito chegou bem perto da loirinha, apoiou
as duas mãos na mesa e encurvou-se, dizendo bem baixinho: ' - Eu queria
falar uma coisa pra você; eu tenho um problema'. - Qual é o
seu problema, meu senhor, respondeu a loirinha, com mais educação
do que o bêbado inspirava.
Nessa altura da narração, o endiabrado cochichava e esticava o
pescoço, provavelmente como ele imaginava que o sujeito fizera. ' - O
meu problema, é que não posso ficar em lugar fechado que logo
eu quero fazer sexo!' Diferentemente do restante da frase, a palavra sexo
foi pronunciada num tom quase gritado, alertando-nos, singelos ouvintes, para
o absurdo-cômico da situação.
Tanto eu ri que minhas queimaduras incomodaram mais do que nunca, mas ouvir
os assombros do Chico endiabrado e ficar quieto é para aqueles que mesmo
sob cócegas permanecem indiferentes. Meu marido ainda perguntou: - Como
é que é? Pronto, era o que o endiabrado precisava pra repetir
com requintes cômicos a inusitada cena, acrescentando que a loirinha fez
um escarcéu tão grande que a gerente veio ter com o sujeito que
tentava se inocentar, mordendo os lábios e repetindo: não é
pecado falar a verdade dona. - Não posso ficar num lugar fechado que
eu logo quero fazer SEXO!
Ainda segundo o Chico, a coisa se espalhou na empresa feito pólvora,
e o difícil está sendo tirar da cabeça do noivo da loirinha,
também funcionário da empresa, a idéia de esmurrar bem
esmurrado o sujeito, caso ele ouse mostrar as fuças novamente por lá".
Ainda nesse dia ouvi mais um "causo" do Chico endiabrado, e mais,
muito mais assombroso". Mas esse fica pra outra hora, ou prosa.