Queria achar um caminho com pomares de sonhos eternos, com o aroma da verdade,
em que os seres humanos pudessem delivrar sem qualquer limite terreno. Apenas
voar planetas outros. Abrir as asas e subir muito, muito alto, tal como as águias
nos túneis de ar quente. Aprendi, hoje, que nasci sem meu lado social,
nasci para ficar assim, ilesa ao convívio diário das rotinas pegajosas
e medíocres. Meu orbe é diferente, é amargo, tem sabor
de raciocínio, de não às ilusões. Não há
o que sonhar e nem mesmo ser feliz por muito tempo. O egoísmo é
comer e sorrir e ali bem na esquina alguém sem dentes revira o lixo atrás
de comida. O mundo continua dividido. A cama confortável que durmo é
o chão duro daquele menino de rua. O altar da igreja católica
traz santos e mais santos, o altar da igreja evangélica coloca no altar
pessoas que se dizem santas sem nunca terem sido. O mal está no inconveniente,
no sorvete, no canivete, no pivete, no chiclete que se masca, masca, masca e
não se engole. Não engulo essa fantasia de viver, essa ilusão
de falsificar a realidade.
Olhem com firmeza, olhem sem máscaras, olhem sem medo; a realidade é
a sua vida por dentro, dentro de sua mente. Como somos sujos,como somos aniquilados
pelo egoísmo, a maldade e a vaidade. Como somos tão delimitados
pelos valores demagógicos. Como temos pensamentos deturpados.Qual parâmetro
se usa para analogias. O que realmente é ou não é alguma
coisa. Até onde valem os valores de outrem? Como os caminhos são
curtos e repletos de retornos, cada um mais dolorido que outro. Quantas vezes
pegamos a mesma via. O acesso fácil, errado. Como sonhamos errado, como
sonhamos sem perceber. Erradas são as expectativas. O mundo é
paradoxal. O papa condena tudo menos a pedofilia. Menos a adoração
de santos de gesso, madeira, argila e metais. As idéias vagueiam de continente
a continente. Uns buscam, outros esperam; uns matam, outros nascem sem parar.
Tantos foram embora. Tantos amaram tanto que desistiram do seu próprio
sonho. Até onde terei de existir? É tedioso existir com tantos
pensamentos. Não tenho qualquer ilusão, sei o chão em que
piso. Sei a lágrima que se esconde. Sei do chão onde o café
caiu. Sei o cheiro do mato molhado. Do capim gordura, dos eucaliptos. Sei do
cigarro que se apaga debaixo do pé. Sei do estacionamento sem vaga. Sei
o quanto ainda tenho para viver e aprender. Há tanto ainda para mudar
em mim. Queria ver o céu de cabeça para baixo, as aves de outros
planetas.
O mundo está a se acabar. A Amazônia já está sendo
questionada e estudada pelo resto do mundo. Preocupação mundial.
Preciso dormir e tudo esquecer. Esquecer que existo. Toda luz se queima um dia,
todo gás acaba, toda pia recebe sua gota, os talheres são enxugados.
As portas são abertas e se fecham todos os dias. O cotidiano é
a rotina que poda as inovações. O corpo tem que ser mais forte.
O corte tem que ser raso para doer mais. O fundo do poço está
seco. Seco anda o varal com as roupas. O esmalte ainda não secou. O tempo
virá muito mais que hoje. Muito mais que hoje você estará
mais velho. O velho anda pela calçada em busca do sol. Os risos estão
nas bocas. Minha vida não nasceu para andar com vocês. Estou sempre
pelos caminhos que não se entram sem a senha do diferente. Um dia serei
alçado, para bem longe daqui. Um dia serei liberta. Um dia estarei fora
dessa engrenagem. Um dia minha alforria virá. Serei uma escrava salva.
Estarei sem algemas invisíveis. Vi um policial reagir a um furto que
se tornou um roubo qualificado em homicídio. Quem morreu? Não
foi o assaltante. O restante é tudo aquilo que não queríamos
para nós, mas fica. Quem fica mais de uma hora diante de um túmulo?
Só os que deixam a saudade alastrar pelos poros e perde a noção
do respirar na ausência dos que se amam eternamente. Respirar é
esquecer, esquecer os momentos tristes e beijar a alegria passageira.
Tem cor que se esvai com o tempo. Toda areia que bate no rosto corta mais um
pouco dos sonhos. Quanto mais caminhamos no deserto mais vamos perdendo sem
saber valorizar o que todos anseiam ter. Longe é um lugar que não
existe, disse o senhor Richard Bach. Descordo. Longe é um lugar que existe
e pode ser a exata distância de teu âmago para o meu. Toda curva
tem uma reta a seguir. Sigo, apesar das curvas. Turva está a visão
na enseada. Acaba de haver um deslizamento. Escorreu gente para todo lado. Tem
dias que parecem nos sucumbir de vez. E dormimos mal. E a insônia cai
de quatro em cima da gente. A cama parece ficar menor. Os desejos parecem desaparecer.
O medo fica retido no nada. Embalsamo da alma. Não andamos. Refletimos.
Parece que toda busca vira ilusão. O mundo parece uma grande ilusão.
Quando parece que tudo vai dar certo, o certo é que tudo foi desenhado
mal, foi calculado mal; a postura estava errada, o raciocínio ficou longe
dos pés, o alçapão não funcionou e quem acabou trancafiado
na vida fomos nós mesmos. Os mesmos que edificaram uma construção
com pilares condizentes com a situação. Tentamos reconstruir.
Todos os dias estamos reconstruindo forças e desejos. A libido quase
explode meus miolos em certos dias que a companhia desejada não pôde
ficar comigo. Como há dias que, muitos dias, que pareço uma ponte
iluminada, estática sobre um largo rio.
Ninguém me atrai. Ninguém me tira da penumbra. Ninguém
desperta nada. Fico só e bem. Bem melhor que gerando ilusões ineptas.
Nós mesmos construímos a decepção. Parece que sempre
saberemos nada. O nosso mecanismo espiritual é sempre um enigma. Um mistério
que não se revela. Que não se pode confiar. Tudo muda de repente
e nunca estamos preparados. Pensamos ser fortes e capacitados para tudo e de
repente estamos ao chão de novo. Quantas vezes parece que o capim vai
crescer e só o que vemos é a seca a exterminá-lo. O mundo
me assusta, as pessoas. O modo como somos descartados, quando não mais
precisam de nós. Mas conseguimos viver diante de tantas cenas indigestas.
Diante de infinitos desejos banidos do coração, da noite para
o dia. Quanto mais se vive mais se descobre dentro de um manto de ilusão,
agasalhados de fantasmas que são os espectros que insistem em nos fazer
seguir rumo ao desconhecido. Conheço apenas trilhos mal acabados. Todo
tanque tem roupas ou munições. Fica ao seu critério a opção
exata. Exatidão.
A cultura racional tudo quer imunizar. Imunizar a mente da servidão
humana. Dói-me o viciado. O dinheiro não pode, de verdade, comprar
a paz interior e quem quer paz interior? Querem o exterior em paz com a vaidade
cumprida. Ainda acredito no sono tranqüilo. Uma modelo figura como uma
das maiores riquezas do mundo. A vaidade. Ainda acredito no sono tranqüilo.
Dormir sem chorar e sem pedir nada a ninguém. Jogar o corpo no mundo
ignoto. O sono. O estancar de tudo. O mundo se aglomera numa proliferação
de filhos. O espaço geográfico ficará escasso. Ainda bem
que morremos. Vejo-me ilesa à morte. Morreria tranqüila. Foi o que
percebi hoje, em um pequeno acidente com veículos. Morreria tão
calma. Nenhum asfalto pode me tirar a paz. Ninguém pode entender a música,
o sono, o infinito, o imo. A música é o pedaço do coração
de alguém. Alguém que materializou o sentimento. Um pedaço
de gente é a música. A simbiose, a aglutinação perfeita
do sentir sem maltratar, apenas hidratar as veias sensíveis. Sinto que
os dias passam sem verdade. Ignomínia. Mania de olhar para trás
e estagnar. Tem gente que usa gente. Tem gente que tem dinheiro e não
tem qualquer bom gosto e nem tem bom humor. Vá entender os pobres que
vivem rindo.
Toda noite alguém ora. As horas não cessam. Quantas voltas os
ponteiros desenvolvem em toda sua vida útil? Quantas voltas a terra dará
em volta do sol até que ele se esfrie? Quanta volta precisará
dar para confirmar que sempre serei triste? Não consigo reter a vida
em um só ponto, evento, momento. A linha que se solta leva a pipa pelo
ar. Leva as expectativas do menino. Tem gente que nunca soltou uma pipa, nunca
foi ao estádio, nunca matou um passarinho, nem deu um susto em alguém.
As oportunidades voam sem linha, sem acesso, sem vontade, sem liberdade. Ao
lixo tudo irá um dia. O que escrevo de nada servirá. Ninguém
terá acesso, mas tentei. Tentei não ser massa. Tentei não
ser você. Tentei ser livre. Tentei não me moldar. A natureza humana
tem o odor do lixo. Faces angelicais, máscaras, interesses, fetiches,
ironias, superioridade, mesclas, demagogias, inexistência de valores eternos.
Do lixo se fez ao lixo retornará.