Tinha um gosto proibido, mas sentia suas mãos suando nas poesias feitas
na derme da inquietação. Fluía um gosto não seguro,
não acabado. Um gosto que ainda não se perdeu pelo tempo. Ela
não permitiu e fugiu de si. Lacrou-se no não permitir o gosto
de uma viagem ao ar livre. Um vôo estruturado na fantasia obstruída
pelas rotas não planejadas. Um gosto que conquistou o paladar e o querer
sonhar. Dupla mão de sentidos escondidos. Um mar aberto que navega ilhas
e mais ilhas repletas de oásis.
Sílvia sentiu o rosto queimar no som dos anjos que a chamavam para bailar
em nuvens de paz e amor. Ela sentia de longe o que ninguém por perto
lhe deu. O gosto da aventura pelas tamareiras, pelo vento de areia a recortar
o tempo. Tempo de levar as crianças na escola. Tempo para cozer para
o marido. Tempo para digladiar suas fantasias com as roupas sujas que jogou
na máquina de lavar. Lavar todos os recônditos sonhos e desejos
lacrados no bolso de suas vestes. Ela não queria sonhar, mas insistia
em ouvir uma voz longe, muito longe, que atravessava sua rotina e a abençoava
com falas edênicas. Sílvia sabia que entre Sampa e sua moradia
havia uma ponte que a levaria do outro lado do mundo. Ao deserto repleto de
oásis que ela nunca se permitiu encontrar.
Talvez ela nem mais se lembre desses vôos que sua mente ansiava e se perdia
em medos, desses vôos que a levava em sonhos azuis, em cristalinas sensações
de algo muito além do amor que conhecia. O medo a reprimiu, a represou,
a deixou na mansa rotina de suas rédeas não soltas. Ela parou
de sonhar, lacrou o número de sua ligação com o sonho maior.
Ela nem percebeu, mas ainda há, do outro lado da terra, um lugar que
ficou com ela, um lugar que ainda a escuta , um lugar que ainda sabe que ela
existe e que bem lá no fundo comunga suas aspirações, um
lugar que ficou parado, gravado, um lugar só dela. Um oásis de
uma ilha deserta, que se perdeu no mar, mas ainda assim, lá onde as ondas
se espremem, onde se batem, é justamente, onde Sílvia ainda vive
e faz o mar sonhar.
Não esqueça das areias, dos orelhões, das fardas, das noites,
do shopping Cultural Ática de Pinheiros, nem esqueça das sensações
dentro de um carro ao ouvir dentro de seu coração, uma voz que
insistia em deixar no seu mundo, um risco de seus desenhos, de seus desejos,
um risco de amor que explodia em sua sintonia e conhecia o solitário
gosto das águas salgadas do seu medo e de seu segredo.