A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Aquário

(R. Carvalho)

Como se já não bastassem os ruídos e barulhos deste tempo, ainda temos de ouvir estes insanos jovens e seus carros com o som no mais alto volume, estes insanos jovens que amam passar gritando pelas ruas para nos acordar, acordar trabalhadores como seus próprios pais, estes jovens cada vez mais perdidos neste mundo que só lhes dá direitos e quase nenhum dever. Uma cidadania podada, uma cidadania morta. Mas como diz Nélida Piñon: como combater um Estado que se armou para nos desconsiderar?

Mas vocês não sabem o que é pior. São os barulhos causados pelos vizinhos dos prédios em que moramos. Barulhos e ruídos dos mais diferentes e mais incômodos. Não imaginem como é irritante passar noites e mais noites ouvindo o borbulhar das águas de um aquário. Como é estressante ficar ouvindo barulho seqüencial, uniforme, previsível e com horário marcado. E o pior, quando moram no andar bem acima do nosso. E pior ainda, são japoneses prepotentes. E pior ainda, não há acordo, pois os peixes são mais importantes que o sossego de seres humanos. Muito pior ainda, a risadinha do japonês ao dizer que não irá desligar a droga da bomba do aquário.

Educação é a primeira palavra que surge na mente. Fique calmo. Relaxe. Não diga nada. Fique quieto.

Depois, surge um asco bem grande por japoneses hipócritas que criam peixes num aquário e depois os comem até cru. Ou seja, não se trata de bichos de estimação. Afinal, não vou comer meu cachorro cru e nem muito menos frito, assado, sei lá o quê. Que droga de prazer é esse de querer peixes presos dentro de um vidro com água. Já imaginaram o tamanho dos rios e dos mares? É o mesmo que guardar passarinhos em gaiolas. Já imaginaram o tamanho do céu?

Mas bem depois, a vontade que fica, em meio ao silêncio e o barulho único da bomba do aquário, é dar uma de louco e ir várias vezes, com contagem marcada dos minutos, tocar a campainha do apartamento dos japoneses e fugir. Passar a noite fazendo isto, para irritá-los e aborrecê-los. Para tentar fazê-los perceber como é incômodo barulhos.

Estou com o motor ligado bem acima do teto de meu quarto, mas acabo por ficar aqui, expressando minha revolta com o barulho do teclado do micro que,agora, deve estar incomodando meus familiares. Afinal, o que vocês me sugerem para acabar com esse insuportável borbulhar de um aquário que mal cabe neste apartamento tão pequeno? Já sei, vão me oferecer um trinta oito. Eles moram no 28.

  • Publicado em: 01/11/2007
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