Anos atrás, a 7 de setembro, comemoramos a independência do Brasil.
Festas, desfiles, pronunciamentos cívicos não faltaram, apesar
do desfalque nas fileiras da defesa nacional em termos de gente alistada...
Foi uma medida de emergência por falta de alimento para o contingente
arregimentado.
Aliás, o que não falta em nosso País é falta de
alimento e medida de emergência. São tantos os buracos, que se
abrem novos buracos para tapar os antigos. Mas nada se abre para tapar o buraco
dolorido do estômago vazio... Tudo que se faz é paliativo, pois
a fome é teimosa e, se é satisfeita num dia, amanhã volta
com fúria maior. E nós, povo livre, seguimos apreciando o movimento
até o dia em que o buraco de hoje se transformará num enorme buraco,
pronto a nos engolir sem que haja saída. Isso dá medo? Claro que
dá, pois buraco é sempre buraco, assusta sempre. Mas, apesar disso,
povo valente que somos, vamos comemorar, vamos desfilar, vamos aplaudir...
E eu pergunto: que independência comemoramos hoje? Todos os anos me faço
essa pergunta. E sempre a mesma resposta: A independência do Brasil, sua
ignorante!... E eu não aprendo, pergunto de novo, e de novo, e de novo...
É que, na minha inocente ignorância, não consigo entender
o que é a independência de um País. Até onde sei,
um País nada é sem seu povo. Deduzo portanto que a independência
é do povo que forma o País. Mas se pergunto a alguém do
povo se é independente, a resposta é sempre não.
Pare um pouco, leitor, e pergunte a si mesmo se é independente. Nem
precisa dizer, eu já sei.
Poderá ser independente quem passa fome, quem depende de um salário
chamado de fome, quem nem mesmo tem esse minguado salário, quem mora
sob uma ponte, quem tem o que comer mas há muito não tem a mesa
digna de sua dignidade, quem tem que se virar e fazer bicos e mais bicos pra
garantir o pão das crianças, quem não tem um teto ou está
perdendo aquele que se atreveu a comprar e não pode pagar, quem está
doente e não é atendido por falta de verbas que ele mal sabe de
onde vêm, quem é atendido e não pode entrar na farmácia
e comprar o remédio receitado, quem não encontra vagas na escola
e tem que aceitar seus filhos crescendo na ignorância, a mãe que
sai pedindo ajuda e volta com o filho morrendo de inanição em
seus braços... pra ao menos morrer no conforto de um abraço...
Ah, esqueci de botar os pontos de interrogação. Mas os coloco
agora: ?????????????????????????... e haja pontos de interrogação
em nossas cabeças ditas independentes...
Mas vamos para a avenida aplaudir os desfiles, ouvir os discursos, entoar,
ufanos, os hinos de sempre, agüentar a mídia repetindo e repetindo,
em todos os noticiários, que somos um país independente.
Ah, esqueci de perguntar: e o FMI? Ora, que eu me cale, pra que lembrar, justo
neste dia, o quanto dele somos dependentes?
Enquanto isso, todo mundo discute o sexo dos anjos, e promete tudo, como sempre.
Será que desta vez será diferente? É a única esperança
que podemos ter: que desta vez seja diferente... Esperança que sentimos
sempre e que sempre virou uma enorme frustração. E chamamos a
isso independência?
Mas a independência do Brasil, é certo isso, foi proclamada por
D. Pedro a 7 de setembro de 1822. Fato histórico incontestável.
Certamente me chamarão de pessimista. Aceito. É a força
do hábito. E, para confirmar, apenas lembro de mais um pequeno detalhe:
daquele grito inflamado que ecoou no Ipiranga: "Independência ou
morte!", parece que nos sobra a expectativa da morte... Já é
alguma coisa...
Festejemos!
Eu não quero festa. Quero, sim, a realização do sonho
que é nosso.
E, na minha santa ignorância, apenas lamento...