Mamãe, hoje (3 de abril) - seu aniversário
No dia 3 de abril de 1914 você nasceu. Era a primogênita. Cresceu,
levada da breca, como dizia vovó. Na adolescência, a mais namoradeira
da cidade, para tormento do vovô. Escolheu tanto e se casou com o pior
partido... Isso era muito seu: foi justamente o pior partido que você
amou e amor era sua estrela, aquela que você dizia ser seu guia e sua
conselheira. Quando você descobriu que papai não era o que você
esperava, lutou contra as evidências, para não perder a fé
na sua estrela. Dizia que ela - a estrela - jamais se enganaria nem a trairia
nunca. E foi agüentando papai. Preferia sofrer a perder seu sonho... Ah,
minha mãe sonhadora!
Ao seu quarto e último parto eu nasci. As dores começaram à
noite e você entrou em pânico quando viu que o tempo passava e eu
não nascia. É que era dia 12 e você não queria que
eu nascesse no dia 13 porque dava azar... Pedia ao médico que desse um
jeito qualquer... Ele nada podia fazer, inclusive porque o parto acontecia em
casa, não tinha recursos de hospital. Então você começou
a falar comigo, pedindo que eu nascesse logo, só que me chamava de "meu
filho", pois também queria que eu fosse um menino porque acreditava
que menina sofria mais... E eu te obedeci e nasci exatamente quando faltavam
13 minutos para a meia noite. Depois disso, você passou a encarar o 13
como seu número de sorte... Ah, minha mãe supersticiosa!
Não vou escrever aqui a nossa vida, pois meus leitores não têm
culpa de nada... rs... Só quis reviver o dia do seu nascimento e o dia
do meu. Esse nosso encontro que durou toda a vida. E, por necessidade minha,
lembro o dia 17 de outubro de 1975, momento de nossa despedida. Quando o médico
quis aplicar-lhe a injeção que lhe prolongaria o sofrimento por
um ou dois dias. E eu juntei forças - o amor venceu o egoísmo
- e não deixei. Pedi a ele que a deixasse partir em paz, que preservasse
comigo sua dignidade. E ele aceitou, até com certo alívio. Foram
dez minutos finais em que falei com você, em que lhe dei a coragem de
partir. Em que lembrei as coisas mais importantes do amor enorme que cultivamos,
talvez mais amigas que mãe e filha. Dez minutos de muita dor e de uma
paz infinita. Eu chorava, claro. Você, inconsciente, não sei se
me ouvia, mas sei, com certeza, que me sentia. E ao fim desses minutos solenes,
você partiu, enquanto eu dizia "te amo, te amo", apertando suas
mãos, deixando que minhas lágrimas molhassem seu rosto, fazendo
da dor poesia e rimando morte com vida.
Mamãe, lhe dou meus parabéns como dei sempre. Sinto sua falta,
mas sei que você partiu na hora de parar de sofrer. Não gostaria
de ter você sofrendo ainda. Nem estou falando com você, mas comigo
mesma e com a saudade de você. Uma forma que encontro de agradecer à
vida que fez você poeta e minha mãe. Nunca soube como e quanto
agradecer por você ter-me parido poeta. Sim, continuo poeta, amando a
cada dia mais como você amou e, como você, certamente morrerei ao
abrigo do amor e à luz da poesia.
Ainda e sempre a beijo, minha linda Abigail, minha grande amiga, minha Mamãe,
autora gentil de minha vida!