Conversando com um amigo, ouvi um pedido curioso: "me fale um pouco do
tempo da ditadura, que você acompanhou." Sua faixa etária
está entre 35 e 40 anos, ou seja, ele também deveria ter acompanhado,
embora muito jovem. Manifestei estranheza e ele me explicou: "Naquele tempo
eu estudava em colégio militar e ali o assunto era proibido. Portanto,
nada sei a respeito. Comprei um livro, mas alguém me pediu antes de eu
ter lido e eu dei." Conversei um pouco com ele e prometi fazer uma pesquisa
na Internet para lhe indicar fontes seguras em que ele pudesse se informar.
Foi o que fiz, mas não sei o resultado pois, apesar de nos falarmos muitas
vezes, ele nunca mais tocou no assunto. Como conheço bem seu comportamento,
acho que tenho razão em pensar que ele se desinteressou completamente
pelo assunto. E o fato de ter dado o livro com tanta facilidade me permite pensar
isso.
Diante desse fato que parece corriqueiro, levanto a hipótese de que,
como ele, muitos jovens da época podem estar no mesmo caso: completamente
alienados de um tempo terrível e importante da história de nosso
país. Um tempo em que tudo foi censurado: arte, cultura, palavras e até
idéias foram aprisionadas. Um tempo em que vidas preciosas foram covardemente
tiradas porque tiveram a ousadia de expressar seu pensamento. Um tempo em que
apenas pensar já era perigoso, falar era temeridade. Um tempo em que
muitas pessoas desapareceram de repente, tantas das quais não se tem
notícia até hoje. Tempo em que muitos não tiveram respeitados
seus direitos de cidadão: o próprio patriotismo foi mascarado
ou massacrado. Tempo negro, assustador, funesto, que jamais deve ser esquecido.
Não estou tão preocupada com o rapaz que me questionou. Se não
está interessado, fica alienado porque quer. Estou preocupada, sim, com
o número de pessoas - jovens adultos - que possam estar na mesma situação
porque tiveram seu direito de saber desrespeitado. Isso seria alienação
em massa emperrando nosso sonho democrático.
Isso quer dizer que esses adultos alienados certamente difundirão conceitos
enganosos, pois é tudo o que têm, marcados que foram injustamente.
Formarão suas famílias, terão filhos que correm grande
risco de serem formados para a alienação e que isso nunca tenha
fim. Até que perderemos de vista os verdadeiros culpados, os repressores
que um dia taparam seus olhos e seus ouvidos, que foram desleais à pátria
e formaram batalhões de desleais indefesos.
Fico estarrecida pensando que, neste país que tem sede de liberdade,
possam existir ainda milhares de almas que foram cruelmente aprisionadas e não
conseguiram arrebentar as correntes, as grades e os cadeados da indecente prisão.