Tanto falamos da morte e tanto a tememos! E Cecília Meireles, chamada
"A poetisa da Alma", nos leva a desvendar o mistério. Vejamos.
"CÂNTICO IV
Cecília Meireles
Tu tens medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno."
Há pessoas que às vezes se irritam comigo quando falo de morte.
Engraçado, ninguém se irrita quando falo de vida... rs... e muitas
vezes isso até passa desapercebido... Alguns até dizem que tenho
um fascínio pela morte. Não discordo. O que poucos percebem é
que, quando falo de morte, estou mesmo fascinada pela vida - A VIDA QUE AINDA
VIVE EM MIM. A dor, que também espanta e assusta, é quase uma
constante na vida de todos. Claro que entremeada de alegrias, até mesmo
euforias. É a vida temperada em seu curso. Estou quase sempre num clima
de curtição de uma dor que, superada, vai ser vida, vida mais
bela e mais intensa ainda. Quem me acompanha sabe disso... e compreende. Curtir
a dor não é masoquismo, é aprofundá-la para dela
tirar maior proveito. Pois ninguém nega que o sofrimento nos ensina melhor
que qualquer escola. Se a disfarçamos com otimismos vazios e enganosos,
perdemos uma grande chance de crescer e enriquecer. Deixamos, então,
de desenvolver sentimentos como solidariedade, generosidade, empatia. E quando
falo em dor é porque sou humana, necessito, como todo mundo, de amor,
de sensibilidade e de compreensão. Pois que a dor é parte integrante
da vida, assim como a alegria. Um morto não sofre, não chora,
nem canta ou ri...
Quase todo mundo conhece o desejo de morte quando a vida vai mal, quando tudo
parece desabar. Ora, nem todos são suicidas, suicidas em potencial, aqueles
que realmente desejam morrer e muitas vezes tentam, alguns até com sucesso.
Mas se perdemos algo ou alguém muito importante, o desejo de morte sempre
aponta. É natural, pois é o momento que se segue à perda,
quando sentimos que sem o objeto ou ser perdido é muito difícil
viver. É o medo do sofrimento ainda por vir que nos faz dizer quase sem
pensar: "eu preferia ter morrido" ou "morrer é melhor
que este sofrimento". Ou seja, fala-se de morte corriqueiramente, mas quando
alguém lembra a morte numa reflexão, vem a rejeição:
"ai, nem fale disso", "não gosto nem de pensar na morte",
"pensar na morte me dá arrepios...". "vira essa boca pra
lá", etc.
Vejamos ainda mais, prestemos atenção ao suicida em potencial
(quase todo mundo conhece um...). A sociedade o condena, o rejeita, o recrimina.
Parece sempre um ser negativo. O suicida em potencial é um doente, como
o alcoólatra o é. A idéia da morte surge nele de repente,
em qualquer circunstância. E a rejeição da sociedade, que
não passa de preconceito, o humilha. Ninguém pára e pensa
que, se ele está vivo, é porque até o momento lutou contra
a morte, sua obsessão. E uma coisa é certa: o suicida luta mais
pela vida do que qualquer um que detesta pensar na morte e dela tem pavor.
Se analisarmos esse poema de Cecília Meireles, e se dentro dele colocarmos
nossa realidade, veremos claramente que a vida é feita de mortes seguidas.
Ao nascermos só existe uma certeza: a morte. Inventamos frases vazias
como "mais um ano de vida" ao festejarmos nossos aniversários.
E não pensamos que é justamente o contrário, é menos
um ano de vida, desde que a vida é uma caminhada para a morte, pois ela
é o único fim, certo desde o nascer. A cada momento deparamos
com faltas disso ou daquilo, com frustrações, com situações
sem saída, com tristezas sem remédio, com desejos irrealizáveis.
E a cada momento superamos todo esse negativo, o enterramos porque se mostra
impossível. E no instante seguinte reagimos e outros motivos de vida
inventamos, realizamos novos feitos, criamos novas situações,
alcançamos outras alegrias e desejamos novamente. A morte gerou vida:
vivamos sem medo!