Você ligou na sexta-feira. Entre a dor e a saudade, fiquei pensando, pensando...
E me dei por mim recordando nossos bons momentos.
O dia em que você chegou. Dia 2 de janeiro. Parecia o dia de meu nascimento,
o dia em que eu nascia para o verdadeiro espetáculo da vida, o dia da
concretização do amor. E eu cuidei de você até você
adormecer. A nossa primeira noite juntas... Eu fiquei ao telefone ligando para
os amigos, olhava o relógio a cada um que atendia, dizendo emocionada:
"estou participando que sou mãe há 'tantas' horas"...
E todos vieram ver você, a minha neném... Trouxeram presentes,
houve gente que até declarou ter inveja de mim...
Seu primeiro sorriso, no dia seguinte, parecendo me mostrar que eu fora aceita...
E a primeira foto... a primeira palavra, o primeiro passinho, o primeiro dentinho
que caiu e eu guardei ciumentamente, como guardei a roupinha rota com que você
chegou e a flanela em que veio embrulhada...
Vejo ainda você pequenina, correndo ao meu encontro, dizendo "Mamãe
linda, eu te adoro!". Eu não cabia em mim... E quando se machucava,
vinha fazendo carinha de brava, pedia que beijasse o dodói... e tudo
ficava bem... eu descobrindo o poder do meu beijo...
Os beijinhos repetidos na hora de dormir, como eu dizia: "o adeus prolongado"....
O dia que aprendeu o primeiro palavrão, e o repetiu muitas vezes, achando
a coisa mais linda do mundo. Na manhã seguinte, levantei-me mais tarde,
você diante da TV vendo o "Sítio do Pica-Pau Amarelo".
Olhou para mim, abanou a mão e disse: "Oi, putinha!!!" Estava
exercitando seu primeiro palavrão e o entregava a mim em forma de carinho!
As birras na hora do não. A gargalhada gostosa que lembrava a gargalhada
da avó que você nem conheceu. O sorriso aberto quando eu chegava
de viagem e tinha sempre um presente. A carinha lambuzada do pudim que roubou
na geladeira. E o dia que pegou a caixa de maisena, espalhou pelo corpo e pelo
rosto, não agüentei, bati uma foto. E as festinhas de aniversário,
você passava o mês todo esperando por elas. E quando chegava um
amiguinho ou amiguinha de mãos vazias, perguntava: "Não tem
presente?", quase me matando de vergonha...
Teve medo de trovão, até o dia em que, assim que começou
a trovejar, eu corri para seu quarto, fingi ter medo também, você
me olhou muito séria e disse: "Não é nada, mamãe,
é só o São Pedro tirando retrato!" E seu medo acabou.
Você adorava ir para a casa da Tia Cecília brincar com os gêmeos.
Um dia foi e não voltava nunca, telefonei reclamando. E Tia Cecília
me contou que, de vez em quando, você olhava pro céu, apontava
com o dedinho e dizia: "Mamãe, mamãe", como esperando
que eu caísse do céu. Será que algum dia você sentiu
que eu caíra do céu pra você?
Vivia perguntando se ficara em minha barriga. Eu explicava que não,
que você não era filha da minha barriga, mas era filha do meu amor.
Você disfarçava e se afastava. Momentos depois retornava com a
mesma pergunta, como se o tempo decorrido tivesse mudado a nossa história.
E lembro com tristeza que você nunca aceitou o saber que nunca ficara
na minha barriga. Para você, isso era importante.
De repente você começou a pedir para mamar em mim. Expliquei que
eu não tinha leite, para ter precisaria ter um neném e eu não
tivera nenhum neném. Mas você não se conformava. E tanto
insistiu que resolvi tirar esse problema do caminho: tomei você ao colo
e lhe dei meu seio. Você sugou, olhinhos fechados, sugou por um longo
tempo. Depois abriu os olhos e disse: "Mamãe, não tem leite".
Eu confirmei: "Pois não tem, eu avisei." Quando parecia conformada,
me olhou seriamente e perguntou: "E Toddy, não tem?" Não
pude responder, tanto ria...
Você tinha ido ao balé. Inspirada, fiz um poema pra você.
Curtinho, mas dizendo tudo que eu sentia: "Antes de você tudo foi
ensaio. / O verdadeiro espetáculo da vida / começou com você!"
Escrevi o poema numa cartolina e, aproveitando sua ausência, preguei na
parede de seu quarto, acima da cama. Quando você chegou e viu, foi me
chamar e pediu que eu o lesse para você. Li e expliquei o sentido daquelas
palavras. Você não cabia em si de contentamento. Imediatamente
tiramos uma foto, você olhando o poema na parede.
E tinha o lado que me amofinava: as suas fugas. De início eu achei que
era coisa de criança. Mas você foi crescendo e continuou...
E depois...
Depois não interessa. Agora eu quis apenas lembrar os nossos bons momentos.
Mesmo chorando como estou...