Eu trabalhava num orfanato.
Perto da igreja encontrei um pintinho abandonado , ou perdido, vagando sozinho,
piando, piando. Tomei-o nas mãos, bati nas casas da redondeza procurando
seu dono. Não era de ninguém. Levei-o para o orfanato: haveria
melhor lugar para um pintinho abandonado?
Porque era todo amarelinho, alguém resolveu dar-lhe um nome pomposo:
YELLOW. Mas as crianças resolveram aportuguesa-lo para Léo.
Entre nós, Léo recebeu alimento, calor e carinho. Enquanto eu
trabalhava na Secretaria, ele andava sobre a mesa. Às vezes, sem cerimônia,
dava uma agachadinha e salpicava algum papel importante. Eu tratava de limpar
antes de levar uma bronca da Superiora. Aprendeu a conhecer o som da campainha
e corria atrás de quem fosse atender à porta. À hora das
refeições, ciscava sob as mesas do refeitório, comendo
os alimentos que as crianças derribavam (às vezes de propósito).
Por fatalidade inadiável..., Léo virou um frango... A Superiora,
que sempre fora contra aquele bichinho ali, perdeu a paciência e determinou
que seu destino seria a panela. Pânico! Todo o mundo gostava muito de
frango... mas, comer o Léo? Afinal, ele era um membro da nossa comunidade...
A Madre permaneceu firme na sua decisão: panela! E daí? Quem o
mataria? A Irmã cozinheira, por maior consciência que tivesse de
seu voto de obediência, preferiu pecar a executar o querido Léo.
Impasse. Ninguém aceitou a tarefa, para felicidade minha e das crianças.
(Muito intimamente eu suspeitava que a Madre Superiora estivesse gostando daquele
adiamento...)
Uma senhora amiga da casa, Dona Nina, vendo o problema, ofereceu-se para hospedar
Léo no galinheiro de seu quintal. E lá fui eu, levar Léo
para sua nova residência, satisfeita com aquela solução.
Léo não foi bem recebido pelos outros frangos e precisou ficar
num lugar isolado, fora do galinheiro. Encorujou-se, amuou-se. Dona Zezé
se preocupou e me avisou. "Já sei - eu disse -, é saudade
das crianças." Na manhã seguinte, organizei um passeio com
a meninada: "vamos visitar o Léo".
As crianças na calçada, junto ao portão dos fundos, Dona
Nina trouxe Léo até nós. Ele cacarejou alegremente, esfregou-se
nas pernas das crianças, festejou como faz um cachorrinho. Foi pego e
acarinhado, passou de colo em colo, parecia entender o que dizíamos para
ele. Ficamos ali algum tempo e fomos embora, prometendo voltar. Não sabemos
se Léo conseguiu entender isso o suficiente para esperar nova visita.
No dia seguinte, Dona Nina telefonou: "Depois que vocês se foram,
Léo voltou ao seu isolamento, à sua tristeza, passou o dia encorujado.
Hoje... amanheceu morto."
Uma das minhas experiências mais ricas no convívio com animais,
Léo, é saber que um frango pode morrer de saudade. Você
era apenas um frango... sentia profundamente o afeto, a partir de seu instinto.
Se fosse um ser humano, estaria ainda vivo...
(Transcrito do livro: "Meus Bichos - Histórias de Vida. Publicação da Secretaria de Estado da Cultura, Regional Marília. 1983)