Paulinho é um amigo querido. Está sempre por aqui, nos damos bem,
dedicado e leal, sempre me ajuda.
Foi sempre um bom garoto, esforçado, aplicado. Bem cedo começou
a trabalhar, era arrimo de família. Família simples, nem pequena
nem grande, mas sempre precisando de mais um trocado para a bóia melhorzinha,
para um conforto justo e maior. E Paulinho não se fez esperar: arrumou
emprego e botou mãos à obra.
Um dia, a tragédia. A máquina traiçoeira enlouqueceu e
sobreveio o acidente. Correria, resgate, hospital. Quando acordou, o susto:
faltava-lhe uma perna. Começava o calvário: a recuperação
lenta e complicada, ficar sozinho no hospital alimentando pensamentos dolorosos,
o medo do futuro, o desejo de morte brigando com a fome de vida.
Voltando para casa, a luta pelos direitos, provado que nem culpa sua houvera
na triste ocorrência. Aprender a andar numa só perna não
foi tão difícil, mas foi deprimente. A solução era
apelar para uma perna postiça. Havia muitos tipos no mercado, próteses
de todo jeito e de todo preço. Experimenta uma, experimenta outra, a
cada qual uma série de provas e de ajustes. E quase nunca dava certo,
machucava, soltava, não era firme e se transformava em novo perigo. No
meio de tudo isso, a recuperação do que lhe sobrou da perna atingida,
infecções, curativos, novas e inúmeras cirurgias. Mas Paulinho
decidido e corajoso. Acabou descobrindo que tinha direito à melhor prótese
conhecida no seu caso e partiu para a luta. Que tinha direito era certo, mas
infelizmente em nosso mundo não se ganha um direito de graça e
sem briga. Algumas promessas frustradas, outras quase cumpridas, até
o dia da conquista final.
Aquela prótese era garantida, o ideal em seu caso, valia lutar por ela.
E afinal chegou o dia: estava pronta a perninha. Viaja pra cá e pra lá,
experimenta, ajusta, experimenta de novo e de novo, de novo e de novo ajusta...
parecia sem fim... Depois a fisioterapia para aprender a andar, a postura e
os cuidados com a prótese. Mas o fim também chegou e Paulinho
desfilou de perna nova.
Telefonou e veio me ver: queria me apresentar a novidade. Quando chegou, andando
quase normalmente, eu me assustei. Disse de cara: "Mas que perna é
essa que é postiça e é melhor que a minha?" rs...
Pois era mesmo. Quis ver de perto. Ele ergueu a perna da calça e me mostrou.
Ora, ver só não bastava, eu queria pegar. E foi grande meu espanto
ao tomá-la nas mãos: era uma perna bonita, poder-se-ia dizer perfeita.
A barriga da perna de um material que ao toque parecia pele. E era macia. Acariciei-a
e quis comparar com a outra, a natural. Comparei. Voltei a acariciar a nova
e, olhando firme pra ele, disse: "Paulinho, essa perna me deu tesão!"
O leitor está rindo? Pois quem estava presente, inclusive o orgulhoso
dono da perna, explodiu em gargalhadas! Eu ri também quando me recompus
do susto de ter falado o que falei... Ah, minha espontaneidade! Tudo muito inocente...
rs...
Depois disso, a perna do Paulinho virou o centro das atenções,
não por ser postiça - uma prótese como se diz pomposamente...
-, mas por ser gostosa. E é responsável por nossas mais alegres
risadas, gozadores que somos. Paulinho às vezes fica constrangido porque
ninguém liga para sua outra perna, aquela que nasceu com ele e agüenta
firme ali na hora de andar, subir escadas, entra e sai de ônibus, alcançar
o telhado para arrumar a antena... e, o pior, ela agüenta sem reclamar
o pouco caso que a gente faz dela... E Paulinho faz de tudo, nada é desculpa
quando se trata de topar um trabalho. Eu sempre lhe recomendo: "Cuidado,
meu amigo, se tiver que machucar uma perna, machuca a natural, pois a outra
é minha..." rs...
Isso tudo nos mostra como o trágico e o cômico andam juntos. Como
podemos ter capacidade para brincar com nossas dores e nossos dramas, com respeito
sempre, superando os maiores sofrimentos, tornando mais fácil e divertida
a vida. E, principalmente, como podemos valorizar o que temos a partir do que
não temos ou do que perdemos. E Paulinho, assim como tantos outros deficientes,
estão sempre dando provas disso.
Aliás, quem disse "deficiente"? Mas que besteira... Essa palavra,
empregada em seu sentido literal, não se aplica a ele. Para se aplicar
a tudo que ele consegue, a palavra correta é "eficiente". E
eu posso provar: até no tesão que a perninha provoca!!!
Parabéns, meu amigo Paulinho e... cuidado com essa perninha!