Eu me levantei às duas da madrugada, como sempre, insone. A cabeça
fervendo: fazer uma pesquisa na Net, publicar uma poesia na Usina, pôr
em dia leituras atrasadas, responder a emails, agradecer o envio de um livro...
mais as tarefas domésticas: desligar o freezer, descongelar a carne do
cachorro, colocar o lixo na rua, pois o lixeiro passa muito cedo...
Comecei pelo lado doméstico. Fui cuidar do lixo. Escutei um barulho
de garrafas sendo mexidas, vindo da rua. Abri o portão. Descia a rua
um homem empurrando seu carrinho de mão. Com alguma dificuldade empurrei
dois sacos para fora. O homem veio em minha direção:
- Quer ajuda, Dona?
- Bem... não está tão pesado, mas se o senhor me ajuda
eu ando menos. Quero sim. Obrigada.
Ele pegou o que restava e transportou para mim. Perguntei:
- Trabalhando a esta hora?
- É dona, eu faço isso todos os dias. Recolho as coisas que posso
aproveitar e que as pessoas jogam fora.
- Mas tem que fazer isso na madrugada? Vejo muita gente catando o lixo durante
o dia...
- É que pegando à noite eu vendo logo cedinho, antes que chegue
todo mundo. E assim dá pra gente lá em casa tomar o café
da manhã.
Disfarcei minha emoção diante dele. Ouvi sua pergunta:
- No lixo da senhora tem garrafas?
- Não, neste lixo não tenho nenhuma garrafa. Mas se o senhor
quiser vir durante o dia, eu separo as garrafas e lhe dou.
- Pode esperar, eu venho...
Agradeci e entrei, comovida. Fiquei pensando que esse homem, se reza, deve
ser assim: "o lixo nosso de cada dia nos dai hoje..."
Sim. Meu lixo é seu pão... Rezei a meu modo: Que nunca lhe falte...