A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O LIXO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE...

(Olympia Salete Rodrigues)

Eu me levantei às duas da madrugada, como sempre, insone. A cabeça fervendo: fazer uma pesquisa na Net, publicar uma poesia na Usina, pôr em dia leituras atrasadas, responder a emails, agradecer o envio de um livro... mais as tarefas domésticas: desligar o freezer, descongelar a carne do cachorro, colocar o lixo na rua, pois o lixeiro passa muito cedo...

Comecei pelo lado doméstico. Fui cuidar do lixo. Escutei um barulho de garrafas sendo mexidas, vindo da rua. Abri o portão. Descia a rua um homem empurrando seu carrinho de mão. Com alguma dificuldade empurrei dois sacos para fora. O homem veio em minha direção:

- Quer ajuda, Dona?

- Bem... não está tão pesado, mas se o senhor me ajuda eu ando menos. Quero sim. Obrigada.

Ele pegou o que restava e transportou para mim. Perguntei:

- Trabalhando a esta hora?

- É dona, eu faço isso todos os dias. Recolho as coisas que posso aproveitar e que as pessoas jogam fora.

- Mas tem que fazer isso na madrugada? Vejo muita gente catando o lixo durante o dia...

- É que pegando à noite eu vendo logo cedinho, antes que chegue todo mundo. E assim dá pra gente lá em casa tomar o café da manhã.

Disfarcei minha emoção diante dele. Ouvi sua pergunta:

- No lixo da senhora tem garrafas?

- Não, neste lixo não tenho nenhuma garrafa. Mas se o senhor quiser vir durante o dia, eu separo as garrafas e lhe dou.

- Pode esperar, eu venho...

Agradeci e entrei, comovida. Fiquei pensando que esse homem, se reza, deve ser assim: "o lixo nosso de cada dia nos dai hoje..."

Sim. Meu lixo é seu pão... Rezei a meu modo: Que nunca lhe falte...

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