Bach sempre me comoveu profundamente. Tanto que sempre o ouvi e ouço
quando sozinha, recolhida, de preferência à noite. E nunca sei
a razão de, ao ouvi-lo, despontarem-me as lágrimas.
Não sei se você se lembra, eu me lembro como se estivesse vivendo
aquele momento encantado de nossa vida. Era um sábado à tarde,
eu estava sozinha em casa. Você disse que não viria. Resolvi: coloquei
Bach na vitrola, me deitei, fechei os olhos e me deliciei. Deixei baixinho o
som, como gostava. E me perdi de mim, do tempo, do que me rodeava, mergulhada
no som divinal. Como sempre, lágrimas corriam. Deixei que corressem,
não as enxuguei, percebi que elas ensopavam o travesseiro. E estava assim,
absorta, quase em êxtase... abri os olhos... Um susto! Você me olhando,
em pé ao lado da cama, com um sorriso bonito no rosto. Não, não
percebi você entrando. E você, quando me surpreendeu, não
quis me tirar do enlevo. Eu disse: É Bach. Você sorriu e respondeu
com o olhar e um leve balançar de cabeça. Deitou-se ao meu lado,
beijou minha fronte, me enlaçou carinhosamente.
Terminado o som, pedi que o repetisse, queria ouvi-lo com você. E assim
ficamos, abraçados, reverentes. O clima foi criado sem nenhum gesto provocante.
Apenas nossos corpos se desejaram em uníssono. Fizemos amor, um amor
calmo e sereno, desta vez tão diferente. Um gozo manso em meio ao meu
pranto. Seu rosto deificado diante de meu rosto comovido. O Amor ao som de Bach...
Olhei você com ternura: "Esse amor deveria ser feito de joelhos...
Cada suspiro uma prece..."
Sorrimos ao som de Bach!