Um amor, uma amizade, uma afeição qualquer, quando morre, nunca
existiu. O que houve foi uma gratificação pessoal que se esgotou
com o passar do tempo. Donde se conclui que os afetos verdadeiros
são essencialmente perecíveis. Por outro lado, afeições
supostamente inexistentes, existem, de fato. Apenas se encontram hibernando.
Ou num período de latência. A antipatia nutrida por uma convivência
indesejada é, muitas vezes, uma simpatia não revelada. A razão
recusa admitir uma atração que a emoção supõe
não querer. E o motivo é simples: a razão sempre foi superestimada.
A repulsa que acreditamos sentir por alguém, se transforma subitamente
na mais profunda admiração quando menos esperamos. Basta uma pequenina
ação, uma frase, uma palavra, um sorriso, um quase nada de solidariedade.
Obviamente, não se está falando de paixões, mas tão
somente do binômio Simpatia / Antipatia.
Pouquíssimos atos ou omissões dependem da vontade. Embora não
querendo ser, somo-nos. Conquanto não queiramos estar, estamos-nos. Remamos
contra a corrente em busca de um desejo que não é. Então,
o que é intimidade? Qual a diferença da não intimidade?
A mesma que separa a fome da saciedade. Ou a do valor que damos a um remédio
amargo conforme estejamos ou não sentindo dores. Gotas de solidariedade,
num mar de angústias, convertem calmarias de indiferença na brisa
mansa da atração. Ou transformam tempestades que intimidam num
oceano de intimidades. A presunção do hoje pode ser a vergonha
da modéstia do ontem. Ou o terror da humilhação do amanhã.
Há quem respire com sofreguidão o ar do presente para compensar
a asma do passado. Do mesmo modo, há os asfixiados do agora que sentem
saudades do fôlego do futuro.
Na geometria da ilusão, tudo é retilíneo e uniforme. Mas
a realidade é oblíqua e desconforme. Nada se passa como planejamos
ou imaginamos. Do mesmo modo como uma antipatia vira, de repente, simpatia,
uma ardente paixão se transmuda na mais vil traição. Para
que isso aconteça, também, quase nada é necessário.
Basta uma palavra ou um gesto. Às vezes, nem isso. Em certas circunstâncias,
a traição precede a paixão ou é sua contemporânea.
Portanto, antes da própria intimidade intimidar já vigora a falsidade.
Nestes casos, ela pode ser fatal. É quando a crença é túmulo
e a desconfiança, berço da segurança. Só se escapa
dessa fatalidade quando se é muito forte. Ou o traidor muito fraco. Então,
como geralmente é difícil viver sem alguma intimidade, é
preciso sonhar com ela para ser esposa. Mas dormindo sempre com amantes, suas
rivais: a reserva a dissimulação e a descrença. De preferência,
com todas no mesmo leito. O cinismo é o mais fiel guardião da
imunidade contra a deslealdade.
A competência é a terra nutriz da independência. Esta, por
sua vez, é irmã xifópaga da liberdade. Quem convive com
as duas, nada teme. E somente a morte é capaz de abatê-las. Quem
tem competência basta-se a si próprio. Só será íntimo
de quem quiser. Se o quiser. Quando quiser. Quem escreveu esse texto se considera
apenas medianamente competente. Ainda assim, já mandou à berda-merdamuitos
pretendentes a donos da sua dignidade. Cujos sacos já devem estar sendo
pisoteados por eles próprios. Pois já esticaram demais. Devido
a tanta gente que vive a tracioná-los. Na intimidade.