Se parássemos um pouco a fim de meditar sobre o que está contido
nestas duas palavras, nos surpreenderíamos com a variedade de emoções,
estados vivenciais, situações provisórias ou definitivas
e veríamos que através delas viajaríamos, em poucos instantes,
da angústia para a serenidade; do ódio para o perdão; da
sonho para a realidade; do sofrimento para o prazer. E vice-versa. Portanto,
a expressão "nunca mais" é uma espécie de curinga
no jogo da vida. E, neste contexto, aquela carta de baralho nem sempre nos ajuda
a ganhá-lo, pelo contrário, na maioria das vezes nos leva a o
perdê-lo.
Imaginem o que deve sentir um jovem que há poucos minutos vendia saúde
e logo depois fraturou a medula espinhal à altura do pescoço num
acidente de automóvel. A sua ilusão poderá até perdurar
por muito tempo, mas chegará fatalmente o instante em que ele terá
de enfrentar a triste verdade: "nunca mais irei andar".
Por outro lado, rememoremos agora os anos de escravidão e nos ponhamos
no lugar de um negro que acabou de receber a sua carta de alforria e revivamos
o júbilo que teria invadido o nosso espírito ao constatar: "nunca
mais deixarei de ser um homem livre".
O "nunca mais" é uma expressão ambígua, pois
pode ser surpreendente ou há muito tempo esperada, traiçoeira
ou anunciada, amiga ou inimiga, fortuita ou previsível e até mesmo
real ou imaginária. E o mais estranho é que ela também
pode depender das condições mentais de quem a experimenta. Quantas
vezes dizemos ou ouvimos dizer: nunca mais beberei, nunca mais te trairei, nunca
mais comprarei a crédito, nunca mais sofrerei por amor, nunca mais quero
ver aquela pessoa e muitos outros "nunca mais, nunca mais, nunca mais".
Pouco tempo depois, sequer nos lembramos do que dissemos; aqueles "nunca
mais" não passaram de palavras ao vento e raramente nos damos conta
disso. Estes são os "nunca mais" a que chamo de levianos ou
volúveis. Existe também a condição inversa, ou seja,
o arrependimento é tão sincero, ou o ressentimento tão
profundo que o "nunca mais" é nunca mais mesmo.
Todavia, fúteis ou solenes, provisórios ou definitivos, ilusórios
ou reais, estes são os "nunca mais" corriqueiros, banais, com
pouca ou nenhuma repercussão histórica, artística, literária,
enfim, são "nunca mais" obscuros e evanescentes. Contudo, existem
aqueles que ficaram célebres por terem sido pronunciados por poetas e
artistas imortais, estadistas famosos, homens e mulheres que disseram para que
vieram a este mundo, enfim por pessoas conseqüentes. São estes os
casos dos corajosos autores do livro: "Brasil: Nunca Mais
- Um relato para a História", com prefácio do Cardeal Dom
Paulo Evaristo Arns. Mas existem muitos outros "nunca mais" perpetuados
por escritores imortais. Está-se referindo aqui, por exemplo, ao "nunca
mais" de Percy Bysshe Shelley em "A Lament":
"Ó mundo! Ó vida! Ó tempo!
Dos quais subo os últimos degraus,
A estremecer de volta ao incógnito;
Quando retornará a primitiva glória?
Nunca mais - Oh, nunca mais!
Distante, tanto do dia quanto da noite
Todos os prazeres se esvaeceram;
A fresca Primavera, o Verão, a alvura do Inverno,
Enchem de desgosto meu débil coração, e o que era encantamento
Nunca mais - Oh, nunca mais!"
Ou ao "nunca mais" de "O Corvo" de Edgard Alan Poe:
"E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
'Tens o aspecto tosquiado', disse eu, 'mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.'
Disse-me o corvo, 'Nunca mais'."
Há também o "never again" de Shakespeare em
"A Megera Domada", o "nunca más" de Cervantes
em "Novelas Exemplares", o "niemals" de Thomas Mann
em "A Montanha Mágica, o "jamais plus" de Victor
Hugo em "Os Trabalhadores do Mar"; ou o "mai piú",
de Dante que os condenados vêem escrito na porta principal ao entrarem
no "Inferno".
Porém, mais tenebroso do que todos estes é um outro tipo de "nunca
mais" porque é Real. Trata-se do "nunca mais" daqueles
que atiraram fora a derradeira carta do baralho no último jogo da vida
e perderam para sempre, independentemente da quantidade de curingas que possuíam.
É aquele "nunca mais" tangível, definitivo, irremissível,
sem a menor chance de reversão. É o "nunca mais"
dos desesperados.