Há pessoas que parecem ter graduação, mestrado e doutorado
em palavras ao vento, mas existem algumas que excedem a todas as expectativas.
Outras são monocórdias, nunca fizeram nenhum curso de especialização
e, portanto, praticamente só falam uma única expressão
sem conteúdo, sendo a mais freqüente delas o quéquiá,
uma tentativa idiota de elisão para cumprimentarem os conhecidos indagando
destes "o que é que há". Esta corruptela é mais
do que uma idiotice, pois resulta da mesmice, da ignorância, da carência
de leitura, em suma, da falta de instrução mínima e do
desprezo das elites para com os menos favorecidos e que, a princípio,
eu imaginava ser um dos resultados indiretos de três séculos e
meio de dominação escravocrata, até que escutei o rádio
repetir, até encher o saco, uma cantiga que até hoje faz muito
sucesso e cujos versos, título, estribilho, coro, tudo são uma
espécie de eco daquela monstruosidade sintáxica. Foi naquela ocasião
que me dei conta de que a imbecilidade não é apanágio de
nenhum estrato social.
Conheci diversos usuários de quéquiás. "Qué
qui... Qué qui... Qué qui... Á?". Este era o de
um gaguinho meu companheiro de infância e que conservava continuamente
três pedrinhas na boca porque lhe haviam dito que Demóstenes teria
ficado curado da sua gagueira adotando idêntico procedimento. Mas o quéquiá,
por si só já ridículo, somado à gaguez e ao efeito
das pedras, produzia um tartamudeado tão grotesco que era impossível
conter o riso de qualquer pessoa que o escutasse bodejar. Convivi também
com outro adepto de quéquiás quando era estudante de medicina
e ele os punha em prática sempre que tentava abordar colegas e professores
quando pretendia obter quaisquer benesses assim como empréstimos financeiros
ou boas notas escolares. Certa vez abordou, numa boate, um lente de Dermatologia,
sujeito esquisitão, metido consigo mesmo, bebedor solitário e
cujo semblante jamais esboçou um sorriso. "Quéquiá,
professor Sorumbático?" " Não há nada!"
Mas ele continuou de pé ao lado do mestre à espera de um convite
para se sentar à mesa com ele. "Pode ir-se. Não já
disse que não há nada?"
Habitava na minha aldeia outro adepto tão contumaz de quéquiás
que passou a ser conhecido por este aleijão lingüístico.
"Oi Quéquiá, quéquiá?" "O
quéquiá, rapaz, tudo bem?" Num belíssimo dia
(toda história que se conta não aconteceu sempre num belo dia?),
pois num belíssimo dia estava acontecendo uma reunião a fim de
se decidir a participação do time da minha aldeia num campeonato
estadual de futebol. A reunião era a portas fechadas, pois os cartolas
queriam evitar muitos palpiteiros, os quais, quando se tratava de futebol insistiam
em intervir. O presidente da Associação Esportiva fez uma concessão
especial ao Quéquiá, mas em compensação ele
deveria ficar calado. Contudo, muito nervoso, ele não se conteve: "Não
é possível, o quéquiá? O Cabo Dulce tem de
ser zagueiro central; o Popó de centro avante é um absurdo; e
quem vai ser o ponta direita?" E não parava de falar. Enquanto isso
pedia várias vezes pra abrirem a porta, saía, voltava e continuava
a dar pitacos. Quando ele pediu pra sair mais uma vez e logo depois retornou,
o presidente foi falar com ele na entrada:
"Quequiá não enche o saco,
Pois não te agüento mais;
Enquanto tu davas pitaco,
Eu te aturava, rapaz;
Mas este teu sai e fica
Agora já tá demais
Tu não és couro de pica
Pra tá pra frente e pra trás."
(07/02/2004)