Um dos raros ditos populares com o qual concordo sem nenhuma restrição
é aquele que diz: "se conselho fosse bom, ninguém daria,
vendia". Por isto não pretendo com esse texto dar conselho algum,
nem muito menos negociá-lo, mesmo porque se decidisse vendê-lo
dificilmente encontraria alguém disposto a comprar e, além do
mais, seria um conselho que jamais eu próprio cumpriria, ou seja, estaria
seguindo à risca aquela admoestação que se costuma atirar
aos hipócritas: "faça o que eu digo, mas não faça
o que faço".
Chamarei, portanto dica - um dissilabozinho inocente, mas pelo qual sinto
uma aversão mórbida e nunca descobri por quê. Quem sabe
esteja associado lá no porão do meu inconsciente a alguém
chamado Dica por quem teria nutrido séria antipatia quando criança
e ainda não consegui insaitizar. Perdoem este escandaloso neologismo,
mas não encontrei nada que o substituísse. Mas vamos à
tal dica que nada mais é do que um mecanismo especialmente elaborado
para aquelas pessoas que desejam ser o alvo de todas as atenções,
pelo menos por um curto período de tempo. A minha dica para quem sente
essa necessidade consiste numa única palavra: suma.
Com efeito, faz parte intrínseca da natureza humana banalizar o corriqueiro,
aquilo que faz parte da rotina, o que se vê e com quem se convive constantemente.
Não é à toa que a moda dos casados morando separados está
pegando como fogo em gasolina. A maioria das pessoas que acabou de comprar um
automóvel novinho numa revendedora não tem exatamente um orgasmo
quando desfila com ele pelas ruas, mas a ejaculação fica perto
de se consumar. Um mês depois ainda o admira, cheira, não retira
os plásticos dos bancos, mas a excitação já diminuiu.
Quando leva o veículo para a primeira revisão já o faz
com enfado. Contudo, quando já faz cinco anos que o retirou da loja,
mas o deixou de lado durante, digamos, um mês por motivo de viagem, ou
um outro qualquer, toda aquela excitação do dia da compra retorna
com igual intensidade.
Será que existe alguém que pensa que aquele sucesso todo do Rei
Roberto Carlos se deve exclusivamente à qualidade inegável das
suas canções? Dê logo um desconto de pelo menos cinqüenta
por cento. Bastaria que ele aparecesse cantando "Detalhes", "Cavalgada",
"Emoções" ou outra obra prima qualquer do seu repertório,
não diria nem todos os dias, mas semanalmente; depois de uns três
a quatro meses, no máximo, ninguém mais toleraria assistir.
Só há, do meu ponto de vista, um hábito que nunca cansa
- é o da leitura. Quem lê alguém como Machado, Eça,
Clarice, Guimarães Rosa, Cecília Meireles e outros do mesmo quilate,
é capaz de repetir a leitura todos os dias sem sentir o mais leve enfado,
pelo contrário, o hábito se torna um vício. Ou virtude,
como queiram. Há pessoas, como quem está escrevendo este texto,
que simplesmente não consegue dormir se deixar de ler pelo menos duas
ou três páginas - já lidas, relidas e multilidas
- de alguns dos seus autores prediletos. Com a música erudita e as outras
artes, de um modo geral, sucede algo parecido, mas não chega a ser igual.
Isto é, a leitura "vicia" mais. Além disto, é
o único vício do qual se sai sempre impunemente.
De qualquer modo, gostaria de finalizar texto reiterando o seu propósito:
se alguém tem motivos para querer ser aplaudido, abraçado, beijado,
paparicado, bajulado, badalado -, suma pelo menos durante um mês. Dou
a minha palavra e empenharia a minha reputação, se a tivesse,
que teria pelo menos os seus dois ou três dias de glória.