Mesmo quando o conheci, quando era criança, eu já sabia que o
marinheiro Popeye era uma imagem de ficção. Ainda assim eu lia
as suas divertidíssimas histórias, pois as achava muito engraçadas..
Sabia que era uma figura imaginária, porém havia alguns detalhes
a ela associados nos quais cheguei a acreditar e até hoje ainda acredito.
Foi o que sucedeu acerca dos supostos poderes que ele adquiriria ao comer espinafre.
Como eu tinha muita vontade de possuir superpoderes, embora detestasse espinafre,
comia-o como quem come pipoca no cinema, ciente de que me tornaria pelo menos
mais inteligente. Mas, infelizmente, se deu exatamente o oposto: o efeito do
espinafre me fez ficar cada vez mais burro. Ainda hoje credito esta minha debilidade
mental ao efeito residual de tanto espinafre que ingeri quando era criança.
Recordo de vários episódios que confirmam esta minha suposição.
Um dos mais constrangedores sucedeu quando fui prestar exame de admissão
ao ginásio - sim, naquele tempo havia isto - e levava uma carta de recomendação
de um político influente. O professor disse: "OK, vou te aprovar
porque devo muitos favores a este senhor, mas me responde pelo menos a uma pergunta:
"Na Baía, viveu no princípio deste século um cidadão
baixinho, da cabeça grande e muito inteligente. Tanto que foi representar
o Brasil em Haia, na Holanda, e se saiu tão brilhantemente que ficou
conhecido como o 'Águia de Haia'. Pois bem, me diz só o nome dele
e estarás aprovado!" Eu sabia lá quem era Águia de
Haia. Se visse escrito juro que pronunciaria AGÚIA de Haia. Vi que estava
mesmo ferrado e disse logo: "Sei não, professor!" "Não
é possível, meu Deus, Rui Barbosa!" E me mandei pra fora
da classe "Ei, rapaz para onde tu vais? Não queres mais outra chance?"
"Que chance, meste, o senhor num já tá chamando outro
candidato?" Pois é, me envergonho demais desta história,
mas mesmo assim me atrevo a contá-la porque sei que tudo se devia ao
efeito do espinafre.
O professor de História me aprovou assim mesmo, pois devia muitos favores
ao meu padrinho político. Como vêem a coisa vem de muito tempo.
Com o professor de História Natural (morro também de vergonha
de contar) deu-se algo ainda pior. Mostrei o cartão do deputado, ele
leu e disse: "Tudo bem, pode se considerar aprovado. Mas pelo menos, para
que eu possa ter um pouco de paz na consciência quando estiver deitado,
me responde só a esta pergunta: a que família pertencem as borboletas?".
Eu sabia lá a que diabo de família pertencia porra de borboleta.
Mas já tinha escutado falarem assim muito vagamente que as famílias,
na taxonomia zoológica, terminavam sempre pelo sufixo ácea.
Então, não tive dúvidas, quando o professor repetiu a pergunta
eu tasquei: "às borboletáceas, querido mestre".
Ele coçou a careca, me encarou firme e falou: "Amigo, mesmo com
um peso enorme na consciência, vou te aprovar; vou te aprovar porque devo
muitos favores ao Justino. Portanto, nunca esquece que só passaste para
o curso ginasial por causa dele; mas fica tu sabendo de uma coisa: borboletácea
é a puta qui pariu, viu? A puta qui pariu".
Aquele espinafre... O que ele não fez comigo! Irei citar apenas algumas
frases que escrevi em provas de redação para verem como a erva
é burrificante mesmo. "Precisamos tirar as fendas dos
olhos para enxergar com clareza o número de famigerados que aumenta".
"O bem star dos abtantes endependente de roça, religião,
sexo e vegetarianos, está preocudan-do-nos". "Os analfabetos
nunca tiveram chance de voltar à escola". "É preciso
melhorar as indiferenças sociais e promover o saneamento de muitas pessoas".
Sei não, mas penso que se eu não tivesse comido o maldito espinafre,
talvez - mesmo escrevendo em caçanje - eu me preocupasse mais um pouco
com as DIFERENÇAS sociais. Parece que a insensibilidade para com elas
é mais um efeito colateral do maldito.