A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Quem Vende Um Conto Aumenta Quanto?

(Raymundo Silveira)

Quem conta um conto aumenta um ponto, dizem. E quem vende um conto aumenta um conto? Não no meu caso. Aumenta duzentos e cinqüenta reais. Pois é, vendi, por este "dinheirão", o meu primeiro conto. Mesmo assim estou me considerando um "Moacir Scliar". Por quê? Ora por quê. Primeiro, porque nunca tinha ganhado um puto com escrevinhação alguma. Depois, porque não fui eu que ofereci. Pelo contrário, fui procurado pela Editora.

Estava aqui posto em sossego, com os olhos vidrados neste computador, pra variar um pouco, quando me apareceu na tela isto, que, a princípio, pensei se tratar de uma brincadeira e depois de um aventesma:

"Prezado Dr. Raymundo,
Conheço seu trabalho como escritor pelo site Jornal de Poesia. Sou editora da Revista Renovar, e gostaria de saber sobre seu interesse em publicar um conto ou crônica nesta publicação (sendo para tanto, remunerado).
Temos, no entanto, um prazo um pouco curto (o fechamento é em 20/03) e aguardo com certa urgência, seu posicionamento a respeito.
Grata
",

Depois que vi que era de vera, quase respondi como um dos meus personagens, o Ernestino de "Como Se Tornar Um Escritor": "Bem, eu reconheço que sou um autor inédito e, portanto, obscuro. Todavia, estes contos me custaram muitas horas de trabalho e de renúncia ao lazer: durante estes três anos jamais tive um único final de semana livre. De modo que não me interessa vender senão por uma quantia equivalente a dez mil dólares".

Mas, logo em seguida caí em mim e achei que era um pouco muito. Vender um conto porque uma funcionária de uma editora "conhece o meu trabalho como escritor" é uma façanha. Ora, se tem gente que paga para escrever na Internet, mesmo que me oferecessem uma merreca qualquer por um conto meu, já era um dinheirão.

Ainda assim, houve simulação involuntária de esnobação. O conto que enviei não sei por que cargas pesadas não chegou lá. Então, hoje muito cedo, a primeira coisa que vi foi este outro e-mail:

"Prezado Dr. Raymundo,
Estou no aguardo de sua confirmação sobre o envio do texto para a revista.
Caso o senhor não participe, preciso saber o mais breve possível, pois estou em fechamento.
Conto ou crônica a ser publicado pode ser de um dos textos que já estejam prontos
".

Detesto piada de português. Mesmo porque me considero um deles. Mas não pude deixar de me lembrar daquela. Um Manuel enriqueceu no Brasil e voltou pra Portugal. Um Joaquim, morto de inveja, perguntou a ele como tinha sido isso. Parece que o Joaquim era do Alentejo. Porque o Manuel resolveu gozar com a cara dele: "Ora rapaz, lá no Brasil ninguém precisa fazer nada pra enriquecer, não. O chão é atapetado de notas de cem Euros. É só ir apanhando". No outro dia, o Joaquim se mandou pra cá com a família. Ao desembarcar em Guarulhos, um gringo tinha deixado cair do bolso, justo uma nota de cem Euros. O Joaquim viu o dinheiro, se espreguiçou e falou pra mulher: "vamos deixar pra começar a ajuntar só amanhã. Agora estamos muito cansados".
Juro como ainda acho que a funcionária da Editora pensou o mesmo em relação a mim perante o meu contrato. Ela não é burra e deve saber muito bem que tem gente que paga pra ser publicada. E paga caro!

(18/03/2005)

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente