Cronista arranja cada tema! Vejam em que fui pensar quando sentei a este computador
para escrever e ainda não sabia sobre o quê! Excetuando o Ar e os
Alimentos, qual seria a terceira coisa concreta sem a qual não sobreviveria?
Uma prosaica caneta esferográfica ou outro material que cumprisse uma função
semelhante.
O mais surpreendente é que as recebo diariamente de graça e às
dezenas, mas costumam faltar nos momentos em que mais necessito. Vamos imaginar
a vida sem uma caneta. Às vezes fico na iminência de entrar em desespero
por causa da falta de uma delas, creiam. Tenho um hábito, que achava ser
exclusivamente meu. Agora sei que não é: Só conseguir usar
o vaso sanitário, lendo ou escrevendo.
É uma dependência mórbida pior do que a de heroína,
pois a carência, do objeto do meu vício, além da síndrome
de abstinência própria daquela droga, causa vários outros
efeitos colaterais. Inclusive o de impedir que seja cumprida a função
pretendida quando decidi sentar ali.
Às vezes estou lá, lendo tranqüilamente, quando surge a necessidade
imperiosa de anotar alguma coisa. Entro, literalmente, em pânico! Tratando-se
de algo que precise ser assinalado no próprio texto, passo a unha, mordo,
cuspo, rasgo, molho. O máximo que consigo é danificar a palavra
ou a frase impressa. Quando não acontece o mesmo com o próprio exemplar
do livro, da revista, ou da folha de papel onde acabei de imprimir um trabalho
escrito por mim mesmo.
Você já esteve na fila de um Banco, repleta de gente estressada,
e precisou de uma caneta para preencher um cheque, ou uma guia de depósito?
Há semblantes tão patibulares que não me atrevo a pedir uma
emprestada. Espero que o caixa me faça este favor ou saio da fila para
apanhar uma com algum funcionário. Com a maior preocupação
de que não me deixem mais retornar para o mesmo lugar.
Em Junho de 1989, faltavam pouco mais de seis meses para o Color tomar posse (e
a poupança do povo), quando tive uma premonição. Balancei
as cumbucas, raspei o que havia de dinheiro e abalei pra Europa viajando de primeira
classe por uma sofisticada companhia aérea inglesa.
Só costumo viajar trajando jeans e calçado de tênis. Pois
me assentaram vizinho a um lorde inglês, parecido com aquele proprietário
rural que aparece no filme "Vestígios do Dia". Somente uma das
mangas do paletó do nobre britânico deveria ter custado mais do que
toda a minha bagagem. O gringo parecia achar que ao lado dele, jazia uma mochila
hippie ou a de um jeca. Não uma pessoa. Não se dignava a me olhar
nem de soslaio. Fiquei na minha, claro. Quando estávamos prestes a aterrissar
no aeroporto de Heatrhow, a tripulação distribuiu aquelas papeletinhas
para serem preenchidas sob pena de não ser permitido o desembarque.
Procurei uma caneta nos bolsos e na minha bagagem de mão como um asmático
que busca o ar. Nada! Estaria disposto a pagar por uma, o preço que não
paguei pela garrafa de uísque do free-shop de bordo. Quase arrebatei das
mãos da comissária, tamanha era a sede. Mas não comprei.
Só pra economizar.
Para resumir, tratava-se de uma urgência urgentíssima. "Do You
have a pen, Sir". Consegui balbuciar como se estivesse pedindo um vultoso
empréstimo a um gerente do Bradesco. Onde evito até passar pela
calçada. Noutra oportunidade contarei por quê.
Pois bem, o súdito da Elizabeth esboçou um leve sorriso, mas, que
alívio, me emprestou a caneta. Agradeci. Para não dizer que não
falou nada, quando a aeronave parou no pátio de estacionamento arrisquei:
quem sabe agora. "We've just arrived, sir" e obtive esta resposta: "Yes.
We've arrived" E só! Foram as únicas palavras que o ouvi pronunciar
em dez horas de "harmonioso convívio".
Estes são apenas três episódios concretos sobre a falta que
faz uma caneta. O que mais causa estranheza é que isto só acontece
quando preciso. Tenho agora mesmo aqui na gaveta da minha escrivaninha (esperem,
deixem-me contar): apenas na primeira gaveta, oito canetas. E mais uma dúzia
na sua vizinha de baixo. Não estou carecendo agora de nenhuma. Mas enquanto
escrevia este texto tive necessidade de ir ao banheiro e levei parte dele impresso
para fazer algumas emendas. Claro que não poderia esquecer de levar uma
delas. Juro que estou falando a verdade: precisamente naquela que levei, não
havia mais uma única molécula de tinta.