Ontem, quando escrevinhei aquela escrevinhação sobre pescaria,
uma amiga e leitora voraz mandou uma mensagem dizendo que eu seria capaz de
tirar leite de pedras. Fiquei imaginando cá comigo: "pra que diabo
eu iria querer tirar leite de pedras se não bebo nem de vaca?" Aliás,
que eu me lembre, nunca nem mamei, e quando tinha de seis para oito anos meus
pais precisavam me pagar para eu engolir um copo daquela beberagem que eu entornava
tapando o nariz, somente para me ver livre daquela aporrinhação
e receber a paga. De lá pra cá, o único leite que me lembro
de ter bebido foi o "de onça", mesmo assim porque não
havia cachaça pura por perto e eu me encontrava em tempo de beber nas
calças.
Portanto jamais iria me meter a tirar leite de pedras. Para quê? Nem que
estivesse morto de fome e de sede num deserto, me atreveria a beber leite de
pedras. Se ainda fosse algum derivado, tipo iogurte (aquela coalhada metida
a besta), queijo, manteiga, ou qualquer outro lacticínio pétreo
talvez, numa crise de escassez de alimentos, eu me metesse a ordenhar pedras.
Mas como nunca pus as mãos nas mamas de nenhuma mamífera (quer
dizer, nenhuma não... Isto é... Pelo menos com esta finalidade
de tirar leite... Bom, melhor me calar), fico imaginando como seria o procedimento
para tirar leite de pedras.
Algumas facilitações me parecem óbvias demais: pedras não
escoiceiam, não têm bezerro para alimentar, logo não se
carece de chiqueirá-los, não precisam comer, portanto dispensam
pastagens - uma raridade aqui no Nordeste -, bem como aquela torta de caroço
de algodão, que aqui atende pela graça de resídio
e é cara pra caramba! Mas, como tudo hoje depende da relação
prejuízo/lucro, ou risco/benefício, como dizem os doutores, vamos
analisar as desvantagens. Será que leite de pedra tem a mesma sustança
do leite de vaca, de cabra, ou mesmo de búfala? Tenho pra mim que não;
afinal pedras se alimentam tão pouquinho, então de onde elas iriam
tirar matéria prima a fim de produzir leite? Tenho cá comigo que
para cada litro de leite de vacas corresponderiam, mais ou menos, dez de leite
de pedras. Isto sobrecarregaria demais os "ordenhadores", o leiteiro,
o transporte, a pasteurização, em suma a infra-estrutura e os
bens de capital requeridos para captar, transportar, comercializar, beneficiar
e industrializar leite de pedras. Assim sendo, seria bem provável a inviabilidade
econômica da sua produção.
Há outras inconveniências de ordem prática, anatômicas,
dinâmicas, fisiológicas e geológicas. Quem possuísse,
por exemplo, uma pedreira no interior da sua propriedade, por um lado estaria
rico, mas por outro, teria de contratar agentes de segurança durante
vinte e quatro horas a fim de vigiar e defender a sua riqueza contra vândalos
e, sobretudo, invasores do MST. Quem seria idiota para ir invadir terras produtivas
do ponto de vista agropastoril, quando se teria acesso tão facilmente
às pedras com toda aquela gama de vantagens citadas acima? As dificuldades
de ordem anatômicas e fisiológicas seriam mais facilmente superadas,
embora com graves danos ambientais.
Haveria um pedricídio pavoroso, mas afinal para que servem as
bananas de dinamite? Até hoje, por exemplo, o IBAMA ainda não
conseguiu impedir o morticínio de peixes nos açudes através
de bombas caseiras. Isto, porém, em curto prazo, certamente seria um
problema perfeitamente contornável com o progresso tecnológico.
Mais cedo ou mais tarde os cientistas inventariam robôs ordenhadores de
pedras. Afinal, há duas décadas quem imaginasse ser possível,
por exemplo, a prática de relações sexuais à distância,
seria posto num hospício envolto numa camisa de força.