A maioria das pessoas tem um grave defeito: aceitar como verdade absoluta frases
bem construídas e impactantes. Sobretudo quando enunciadas por pessoas
de prestígio. Gostaria de me referir especificamente a uma, que é
usada como se fosse chancela: "A Terra é uma aldeia global".
Nem sempre! Tem horas em que isso se torna ridículo e falso. Somos antes
uma "aldeia desigual". E não estou falando de desigualdade
em termos sociais no sentido amplo. Apenas naquele que se restringe ao mundo
cibernético.
Uso a Internet desde 1996. A partir de então, as funções
que ela desempenha na minha vida não vão ser citadas porque são
óbvias e não há espaço. Portanto, vou me restringir
ao setor de comunicações. Sem entrar em pormenores, apenas citarei
a interação instantânea entre as pessoas que habitam as
paragens mais remotas deste planeta. Quase diariamente me comunico com o Brasil
inteiro, com a Europa, com o Oriente Médio e até com o Japão.
Só não falo com as pessoas da China e do Tibet por absoluta carência
de interesse de ambas as partes. Bem , talvez, por incompatibilidade cultural.
Pois no início da semana que passou, recebi, pela primeira vez, um e-mail
de um morador da aldeiazinha onde nasci. Nele, o remetente fala com ternura
e gratidão de um atendimento médico que prestei a ele há
cerca de trinta anos. Respondi imediatamente e anexei vários textos de
crônicas e de memórias que tenho escrito sobre a minha terra natal.
Silêncio absoluto. "Devo ter escrito alguma coisa que o melindrou",
pensei. Ontem, passados mais ou menos doze dias, recebi uma carinhosa resposta.
De acordo com ele, o sinal da Internet, que somente agora está chegando
por lá, teria passado todos estes dias sem dar o ar da graça.
Não sei até quando vai durar esse alumbramento com a Internet.
Aliás, sei. Não há, porém, azo nem acaso para declarar
aqui. Basta dizer que, para mim, ela está sendo a maior revolução
nos meios de divulgação do pensamento, desde Gutenberg. Mas, diante
de um simples episódio como este, me vem a idéia de que, afinal
de contas, a "aldeia global" de que tanto falam, não passa
mesmo de um mito.
Mudando de rumo, mas nem tanto.
Há trinta anos, eu era médico, cirurgião e parteiro na
minha cidade. Os casos simples, resolvia por lá mesmo. Os outros pacientes,
mais graves, transportava, quase sempre no meu próprio automóvel,
para uma cidade próxima, dotada de maiores recursos. E também
os atendia. Quando comparo a medicina que se praticava naquele tempo, com a
que se pratica hoje (não creio que praquelas bandas tenha mudado muito),
sinto a mesma perplexidade. Uma pequena ilustração. Naquele tempo,
que para mim foi hoje de manhã, ninguém sequer imaginava o que
viria a ser: ultra-som, UTI, tomografia computadorizada. Embora se ouvisse falar,
vagamente, que nos países ricos, as pesquisas, sobre estes recursos diagnósticos,
andavam adiantadas. A primeira vez que ouvi a expressão "Ressonância
Nuclear Magnética" foi no final da década de 1980, dita por
colega que vinha de um estágio na Inglaterra.
Naquele tempo, a medicina que se praticava na minha terra, não diferia
muito, em termos de tecnologia, daquela que era praticada no resto do país.
Ou seja, nossos cérebros eram as máquinas da "tomografia
computadorizada, do ultra-som e da ressonância magnética".
Os transdutores: nossas mãos e dedos. E a "UTI": nossa presença
quase constante ao lado do leito dos doentes. Não faço aqui juízo
de valores. Nem sequer comparo aqueles ontens com esses hojes. Até porque,
tenho certeza quase absoluta de que, lá na minha aldeia, nada mudou.
Podem dar a ela o qualificativo que quiserem. Mas, por favor, nunca usem o adjetivo
"global".