Como não tinha nada para fazer, passei esta manhã refletindo
acerca de que tema nunca me atreveria a escrever. Não sei se pensei pouco
por não ter tido paciência para pensar mais, o fato é que
cheguei à conclusão de que seria capaz de escrever sobre qualquer
coisa. Talvez ousasse cometer a leviandade de escrevinhar até a respeito
daquilo de que nada entendo, como por exemplo, a influência do pum de
uma formiga sobre o efeito estufa e o buraco na camada de ozônio, vejam
só! Mas jamais escreveria uma linha sequer sobre auto-ajuda.
Com efeito, durante a minha adolescência vivia buscando esta tal de auto-ajuda
- que nem este nome mereceria ter, pois se está contida num livro, certamente
é com a ajuda de alguém - e nunca descobri nenhuma vantagem na
leitura de tais livros, exceto ajudar a passar o tempo e a treinar a própria
leitura; e estas talvez fossem as únicas situações em que
um livro de auto-ajuda, de fato, poderia ajudar se pelo menos o autor soubesse
escrever corretamente. Permitam-me uma breve fuga de idéias. Tenho uma
amiga, excelente escritora e poeta que me confessou candidamente ter aprendido
a escrever simplesmente lendo revistas de quadrinhos, mais especificamente,
gibis, patos donalds, tomix, fantasmas, caprichos et caterva e eu não
acreditei a fim de perder mesmo a amiga, porque não gosto de conviver
com gente gaiata.
Ontem estive lendo um texto enviado por outra amiga querida, e como o autor
está na crista da onda, inclusive com títulos de livros mais vendidos
nas revistas semanais, resolvi ler do começo ao fim apesar de se tratar
de um tema de auto-ajuda. No artigo, o autor recomenda que o leitor ao chegar
na garagem para pegar o automóvel e constatar que o espaço entre
o veículo vizinho e o seu, não permite a abertura da porta esquerda,
nunca deve se aborrecer, nem mandar recado para o proprietário do carro
ao lado, nem tentar forçar a abertura da porta a qualquer custo: simplesmente
deve entrar pela outra. A partir deste exemplo prossegue, no restante do texto,
a fazer analogias e recomendando os seus leitores a "entrarem sempre
pela outra porta" em qualquer suposta situação difícil
do dia a dia.
Oras, isto é muito fácil de dizer quando se está escrevendo
num computador de última geração, numa sala (ou consultório)
com ar condicionado, se servindo de cafezinhos, e conferindo a cada instante,
no romebanque, o saldo crescente da conta corrente, mas na prática
a história é bem outra. Examinemos o exemplo padrão, isto
é, usar a porta oposta à do volante. Todos sabem que a maioria
dos veículos nacionais possui um freio de mão e uma alavanca de
mudanças entre os dois assentos. Quando se é jovem, magro, saudável
e nunca se sentiu a dor de machucar os ovos acidentalmente, tudo bem; nada obsta.
Contudo, imaginemos que o motorista seja um senhor idoso, portador de uma imensa
hérnia, gordo e já tenha sofrido um acidente que quase lhe deixou
os tais ovos estrelados a frio ao tentar passar por cima do portão do
jardim de sua casa por ter esquecido as chaves; como é que fica hem?
Este é apenas um contra-exemplo a fim de ilustrar. Mas imagine-se também
um pai ansioso porque a esposa lhe telefonou, pois o filho de quatro anos está
passando mal e tem de ser levado, com urgência, para um hospital; ou uma
senhora operada de períneo, já com alta hospitalar e permissão
para dirigir, contanto que tome algumas precauções. Será
que a sugestão do autor do texto de auto-ajuda faria algum sentido a
fim de ajudar o leitor quanto às demais dificuldades do dia a
dia, utilizando o caso da porta do automóvel?
Como sempre a coitada da mulher é a maior vítima, querem ver?
E se acaso o automóvel pertencesse a uma senhora casada que acabou de
manter relações sexuais extraconjugais, esqueceu, ou por qualquer
outro motivo, não pôs a calcinha e uma gotícula de sêmen
extravasou e pingou sobre o assento; o marido já desconfia dela e manda
providenciar um exame de DNA daquela manchinha. Como é que fica também
a situação desta senhora, hem, doutor?
Se fosse arrolar todos os motivos que me desencorajam a escrever um livro, um
folheto, uma página, uma linha de auto-ajuda, sobraria material suficiente
para editar um tratado de não ajuda a fim de desencorajar autores de
livros de auto-ajuda. Mas, ao mesmo tempo, desconfio que aí já
seria um manual de auto-ajuda para quem pretende escrever um livro de auto-ajuda;
ou não? Que confusão dos diabos! Não sei por que me meti
a escrever a respeito de auto-ajuda se jurei a mim mesmo que jamais o faria.