A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Para Que Serve Uma Flor?

(Raymundo Silveira)

Para que serve uma flor? Para as plantas se reproduzirem, dirão os botânicos; para se extrair o seu perfume, dirão os perfumistas; para alegrar os nossos corações, dirão os poetas. Para que servem os olhos? Para ver, afirmam os oculistas; para sorrir, garantem os otimistas; para chorar, todos haverão de anuir. Com efeito, a principal utilidade dos olhos é chorar. Os cegos podem passar sem enxergar. Há pessoas que nunca sorriem. Mas é impossível existir alguém que nunca tenha chorado. Muitos choram de alegria, alguns choram de prazer, porém a maioria chora de dor, embora muitos se esforcem para dissimular.

O meu amigo tinha vinte e oito anos, era casado, pai de dois filhos e exercia a profissão autônoma de chofer. Numa sexta-feira, véspera de carnaval, um ser (não posso julgar que tipo de ser), um ser foi à sua casa contratá-lo para uma viagem a um lugar ermo e distante. O contratado nunca tinha avistado antes o contratante, mesmo assim seus olhos choraram de alegria.

- Como não amigo! Vivo disto. Somente assim, pelo menos amanhã, estará garantida a alimentação dos meus filhos.

Na metade do caminho mandou-o parar e sem pronunciar uma única vogal, esfaqueou-o até à morte sem lhe dar a menor chance de defesa. Seus olhos só serviram para ver o aço que penetraria a sua carne.

Afora isto, ninguém saberá jamais o que ele viu ou sentiu, mas é possível imaginar que tenha experimentado um terrível sobressalto; um pânico infinito. A partir daí é quase certo que os seus olhos não tiveram nenhuma utilidade. É muito provável que não tenham tido serventia sequer para fitar o seu algoz, pois deviam estar cerrados. Então, naquele momento, os olhos do meu amigo não serviram para nada. Tratava-se de duas janelas da alma fechadas para sempre. Portanto, não serviram para ver, nem para chorar, nem muito menos para rir.

Então, para que servem mesmo as flores? Tais quais os olhos do meu amigo, há certas ocasiões em que elas não servem para nada. Absolutamente para nada!

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