Para quase todos nós, sempre chega um tempo em que os nossos olhos estão
secos porque parece que todas as lágrimas que tínhamos para chorar
já foram derramadas.
Um tempo em que o coração é uma bolsa térmica pulsátil
cuja única tarefa é conservar e impulsionar o gelo em que se transformou
o nosso sangue.
Uma época em que a nossa consciência só serve para pensar
na matéria, na sua efemeridade, na sua inutilidade, na sua carência
de razão para existir.
Chega um tempo em que julgamos que a vida não tem mais nada para nos
oferecer, exceto desengano, tristeza, desesperança.
Passamos, então, a não acreditar mais em nada. Descobrimos que
estamos sós, desprezados, rejeitados, abandonados por todas as coisas
e por todos os nossos semelhantes. Que a condição humana é
um absurdo; que um pôr-do-sol é uma farsa da natureza; que uma
flor não passa de uma erva daninha como outra qualquer; que o amor é
uma quimera há muito tempo já esvaída de dentro de nós.
Que a música é uma gargalhada plena de ironia e de sarcasmos.
E as artes, de um modo geral, não passam de pedaços de madeira
flutuando, aos quais lutamos para nos apegar desesperadamente a fim de nos salvarmos
de um naufrágio.
Chega, enfim, um tempo em que a vida é nada mais do que uma determinação
superior que tem de ser cumprida sem nenhuma contestação e um
fardo a ser carregado até a morte.
Todavia, quando menos esperamos, um milagre acontece. Surge, inesperadamente,
algo ou alguém que nos faz retomar todas as expectativas da infância
e da mocidade e traz de volta a alegria de viver. Alguma coisa que parece incendiar
a nossa alma seja de paixão, de amor, de esperança e de fé
naquelas mesmas coisas que há muito tempo julgávamos mortas e
sepultadas. É uma autêntica ressurreição da alma
na acepção mais literal que esta palavra comporta.
O mais curioso é que tal prodígio se manifesta sem que nunca tenhamos
procurado; sem que jamais tenhamos suplicado a algo místico ou imanente;
sem que sequer acreditássemos ser possível acontecer se tivesse
sido previamente anunciado.
Não importa que digam ou que nós mesmos suspeitemos que se trata
de mais um arroubo de ilusão. O que é a ilusão se não
a esperança travestida de humanidade? O que é a esperança
se não a ilusão iluminada pela pira perpétua do divino?
No biorritmo da existência a esperança é zênite e
horizonte, enquanto o desespero é o hipogeu. Porém, mesmo quando
nos encontramos no fundo do abismo da vida, é ela quem nos faz suportar
a tristeza, pois sabemos que a alegria, mais cedo ou mais tarde, ressurgirá
nos nossos corações.
23/07/2004