Meu nome é "Menino" e sou um gato persa de cinco anos. Nunca
entendi o porquê deste meu nome. Se eu fosse um menino humano ficaria
mais estranho ainda. Seria a mesma coisa que me chamarem de "gato".
Onde já se viu um bicho ser chamado pelo nome da sua espécie?
Esses humanos inventam cada uma! Tantos nomes apropriados para um gato persa
como eu... Poderiam me chamar de Chéri, por exemplo, pois é um
lindo e carinhoso nome francês. Também podiam ter me batizado de
Mimi. Não, Mimi, não. Mimi é um nome muito fresco e eu
não tenho nada de fresco; sou um gato muito macho. Mas podiam me chamar,
por exemplo, de Ted, Bob, Rick ou de qualquer outro apelido que põem
nestes americanos metidos a besta. Mas agora não tem mais jeito, sou
"Menino" e pronto! Desconfio que eles puseram este nome em mim porque
jamais tiveram algum filho homem. Fazer o quê? Deixa pra lá.
Outra mania deles - querer interferir na minha vida particular. Quando decidi
escrever estas memórias nunca pretendi usar este título que está
aí acima. Foram eles que escolheram para ficar parecido com o livro de
um escritor famoso de quem nunca ouvi falar. Quéqueu tenho a ver
com livro de escritor famoso se eu não leio nem o rótulo das embalagens
das minhas rações? Além disto, qual é a minha malícia?
Só por que uma vez ou outra procuro atazanar a vida deles? Há
dias, por exemplo, que, só de mal, não como a comida que eles
compraram pra mim. Não como e pronto! Daí eles têm de voltar
ao supermercado e trocar pela que eu gosto. Eles sabem qual é! Pra que
entendem de trocar a minha ração a que já estou acostumado,
por uma que jamais provei antes? Pensam que sou igual a eles - todo dia querem
comer uma comida diferente.
Dizem, também, que tenho muita mordomia nesta casa, mas eu não
posso dizer porque ainda não estive noutra para comparar. Os meus donos
me têm como filho; pelo menos quando falam comigo dizem que são
meu pai e minha mãe. Outra esquisitice dos humanos. Onde já se
viu gente ser pai e mãe de gato? Isto não me perturba nem um pouco
- não estou nem aí. Pelo contrário: eu me aproveito disto
e faço o que quero com eles e eles só fazem o que eu quero. Há
noites, por exemplo, em que não deixo o meu "pai" dormir uma
hora seguida. Se estiver fora do quarto, bato na porta até que ele venha
abrir mesmo que esteja caindo de sono; quando entro e vejo que ele já
está dormindo outra vez, não sossego enquanto ele não acorda
e abre a porta para eu sair. Há noites em que passo o tempo inteiro assim.
Por que não deixam ela aberta todo tempo? Não sei pra que esta
porta fechada...
Suspeito também que esta tal malícia que querem me atribuir corre
por conta de um capricho meu do qual não abro mão nem a pau. Por
falar em pau, um dia chegaram aqui umas crianças querendo brincar comigo,
mas cantando uma cantiga da qual não gostei nem um pouco. Dizia assim:
"Atirei o pau no ga t-o to / Mas o ga t-o to não morreu." No
começo fiquei com muito medo, mas depois entendi que só queriam
mesmo brincar. Brincadeirinha de mau gosto, sô! Mas como eu dizia, há
um capricho do qual não abro mão. É que sou louco por um
afago. Meu "pai" se acostumou a me afagar, por isso agora que agüente.
Como gosta muito de escrever - praticamente é só o que ele faz,
embora não ganhe nada com isto, nem sei como sustenta a casa -, fico
aporrinhando ele na hora que está escrevendo naquele tal de computador
que ele não larga nem pra ir comer. Não sei como ainda se levanta
para ir ao banheiro. A única coisa que faz com que interrompa as suas
escrevinhações é quando bato com a minha pata na perna
dele. Aí ele se derrete todo. Sempre pára de escrever quando faço
isto. Tem de me afagar; pra que inventou de me criar? Se isto for ser malicioso,
aí sim, têm toda razão de terem escolhido o título
destas minhas memórias. Mas ele tem uma mania chata: só por que
eu peço que me acaricie, entende de me pôr no ombro, ou no colo
e me abraçar. Detesto isto! Se eu gostasse de abraço saía
atrás de uma gata, não de um homem. Ora, malicioso! Não
tenho nada de malícia. Se quiserem me chamar de egoísta, vá
lá, pois mando e desmando mais dentro desta casa do que qualquer pessoa.