"Qui a la coeur, il ait le corps"
(Chrétien de Troyes: Cligés ou La fausse morte)
Tal quais as águas mansas de um regato, a epígrafe de Troyes só
é válida quando flui numa única direção,
isto é, conquistar o coração é, com efeito, conquistar
o corpo, porém quando este coração e este corpo conquistados
pertencem a uma mulher; entre os homens esta regra é diferente; muitas
vezes chega a se manifestar através de um processo completamente inverso
quando não se torna incongruente, ou seja, uma vez que o seu corpo possua
ou seja possuído, o coração da parceira se torna até
mesmo dispensável. Por mais cruel que se possa considerar, isto é
uma lei biológica que transcende as emoções e tem suas
raízes fincadas na árvore da evolução dos primatas.
Em outras palavras, para a mulher, os verbos amar e sexuar se confundem, por
outro lado, para a maioria dos homens constituem fenômenos totalmente
distintos.
Do ponto de vista de quem escreve este texto, essa diferença de ordem
afetiva entre o macho e a fêmea da espécie humana é tão
gritante quanto as divergências de natureza anatômica. De fato,
a mulher só entrega o seu corpo a um homem quando o ama sem restrições
ou quando não lhe resta nenhuma alternativa. Neste último caso,
não há propriamente uma entrega, mas uma comercialização,
em nome de uma extrema necessidade de sobrevivência.
Houve um tempo em que cheguei a ficar propenso a discordar de tudo isto; foi
quando apareceu a Internet com os seus chats, suas salas de sexo virtual, seus
ICQs e, MSNs. Cheguei inclusive ao extremo de escrever isto há cerca
de uns três anos e meio: "Com o advento da Web a sexualidade dos
internautas, de ambos os gêneros, vem se tornando cada
vez mais uma função fisiológica como outra qualquer (...)
De algum modo, mulheres e homens foram beneficiados, mas as primeiras ganharam
muito mais, pois a repressão que elas sofriam, atingia as raias da irracionalidade,
do preconceito, do absurdo. Para elas, o significado do verbo amar
está a cada dia se distanciando mais do sexuar e vice-versa.
Ao afirmar isto faço menos um juízo de valores do que uma constatação
prática". Como estava equivocado!
Com efeito, muitos falsos indicativos me levaram a pensar assim, pois pelo que
observei e ainda observo hoje em dia, a atividade sexual feminina sofreu (ou
gozou) um incremento extraordinário depois dos chamados relacionamentos
virtuais. Sucede que eu confundia praticar sexo com a entrega total e absoluta
de uma mulher a um homem. De fato, muito antes da Internet as mulheres tinham
desejos, libido, se masturbavam e, portanto, a sexualidade feminina nunca deixou
de existir. Com o aparecimento da Internet tal sexualidade passou a ser compartilhada
com um ou vários parceiros. Algumas mulheres simulam excitações.
Muitas outras chegam mesmo a ter orgasmos diante de um computador interagindo
com um parceiro remoto. Mas daí a se abandonarem ou se entregarem incondicionalmente
a um homem, existe uma distância maior do que aquela que os separa geograficamente.
Quantos "amores" virtuais se esvaecem diante da realidade tangível!
Tenho conhecimento de situações hilárias onde os parceiros
aparentemente curtiam uma paixão avassalora através do computador,
e ao se encontrarem tudo se tornou evanescente. Não se quer dizer com
isto que não seja possível existir a verdadeira entrega virtual
de uma mulher ao seu homem; isto acontece com alguma freqüência,
mas não é tão comum quanto se imagina. Portanto, não
é impossível a um homem seduzir uma parceira virtual a ponto de
possuí-la tão intensamente quanto numa situação
real - ousaria mesmo dizer que às vezes até com muito mais prazer
porque as inibições milenares desaparecem quase completamente.
Mas que nenhum deles se iluda: elas só entregarão o seu corpo
sem nenhuma reserva quando o seu coração tiver sido previamente
conquistado.