O meu coração, mas não somente ele, também outros
órgãos não menos nobres do meu ser adolescente e apaixonado
devem muitos favores à Lua, menos pelo que a sua luz de plenilúnio
iluminava, mas pelo contrário, quando ela, tão discretamente,
se escondia. Devo, portanto, muito mais à Lua pelo que ela não
foi, diversamente do que costumava suceder com a maioria dos outros jovens
amantes. Durante toda a minha adolescência nunca houve luz artificial
na minha aldeia. O meu primeiro amor, por conseguinte, foi quase todo envolto
pelas trevas benditas trevas -, exceto quando a Lua não suportando
conter a sua inveja, decidia aparecer para testemunhar aquele tórrido
romance.
Quantas vezes, querida Lua, ela e eu maldizíamos a tua indiscreta curiosidade
e ficávamos contando nos dedos, não apenas os dias, mas até
as horas que ainda faltavam para tu te esconderes. Há quem diga que naquele
tempo o modo como se amava um par de jovens era um preconceito ou um tabu, mas
eu prefiro chamá-lo de divina falsa pudicícia. Enquanto tu expunhas
ostensivamente a tua curiosidade invejosa, não imaginas a aflição
que a intensidade do desejo reprimido desencadeava nos nossos corações,
mas quando tu seguias para o teu compulsório esconderijo, não
eras sequer capaz de imaginar a vastidão das chamas que avultavam de
dentro de nós dois e abrasavam como o rescaldo de um incêndio infinito
aqueles dois corpos desabrochando para o amor.
Sei que corro o risco de estar a ser agora alvo de ironias, mas tenho de confessar:
lembro-me bem, amada Lua, ela era um pouquinho menos tímida do que eu
e, naquela noite no banco da pracinha, quando o teu indiscreto interesse voyeur
encontrava-se no auge, ela não suportando mais tanta vontade, tomou a
minha mão e pôs sobre os seus lindos e macios seios. E eu chorei.
Ainda hoje sinto arrepios quando me lembro daquele ato tão alucinante
quanto audaz para os padrões do nosso tempo e que hoje não representaria
muito mais do que um banalíssimo shake hands entre dois enamorados.
Pelo calor que vistes emanar daquele ato quase inocente, certamente deverás
presumir o tamanho das labaredas invisíveis que fluíam dos nossos
corpos e subiam aos céus durante toda a tua fase oculta. A intensidade
de tudo o que acontecia quando partias para o teu tão ansiado retiro,
amada Lua, não poderia nunca ser avaliada sequer pelos saltos dos nossos
corações, pela temperatura das nossas epidermes em brasa, pelos
tremores das nossas coxas, pela avidez dos meus dois lábios e pela sofreguidão
de todos os lábios dela; nem mesmo pela volumosa umidade cristalina que
brotava das nossas entranhas e inundava o âmago das nossas roupas.
(21/04/2004)