Não posso viver sem ela; não viveria e nem haveria de querer viver
se ela não existisse. É tudo para mim: foi e será para
sempre a minha mais fiel e eterna companheira; enfim, nunca ficamos e nem poderíamos
ficar longe um do outro, embora eu desconfie que ela pudesse sobreviver sem
mim; temo, portanto, que a recíproca não seja verdadeira. Para
mim, porém, trata-se de uma questão de vida ou de morte. Jamais
estivemos separados sequer por um único dia. Necessito dela quase tanto
quanto do ar que eu respiro. Já foi quente; hoje é fria, mas eu
a quero assim mesmo. Por incrível que pareça se torna até
mais gostosa neste estado, sobretudo quando se entrega passivamente, frígida,
mas sem reclamar. Então, para que eu haveria de querê-la quente?
Já vi pessoas da minha idade, e até mesmo muito mais jovens, se
darem mal quando eventualmente escolhem a sua neste estado, pois ela poderá
se tornar perigosa, machucar o seu parceiro e, em casos extremos, até
mesmo matá-lo.
Hoje, quando a possuo, mesmo fria como é, nunca deixa de tratar de ajudar
a me satisfazer com o seu hálito gostoso e com uma leve fragrância
de hortelã, mas mesmo quando não está disposta a isto,
nunca deixo de me satisfazer plenamente quando nos relacionamos. O único
inconveniente deste comportamento excepcional é que ela sabe que este
é o meu ponto fraco e se torna exigente. Quando, por outro lado, não
me preocupo com estes pormenores banais, ela se oferece a todo instante, em
qualquer lugar, a qualquer hora do dia ou da noite, sempre que me dá
vontade, sem reclamar e sem exigir coisa alguma em troca.
Raramente acontece de não encontrá-la e quando isto, eventualmente
ocorre, o desejo e o sofrimento são insuportáveis. É o
tipo da necessidade que nunca posso satisfazer solitariamente, por mais que
desejasse. Nestas ocasiões saio à sua procura e, se não
a encontrar imediatamente, sofro demais. Se demorasse muito poderia, talvez,
chegar até à loucura. Neste exato momento eu a estou desejando.
Pior que isto: estou a lhe desejar daquela maneira sofisticada, saborosa, com
o seu hálito de hortelã - ainda que gélida -, quando ela
se torna cheia de caprichos e chega até a querer o meu dinheiro, a sacana.
Ainda bem que tenho um bom estoque de Perrier na geladeira.